Ponencia

Práticas de gestão de corpos marcados por gênero, raça e trajetória de rua: reflexões de campo a partir da história de Yara

Parte del Simposio:

SP.27: Procesos de producción y gestión de las infancias, las adolescencias y sus familias: acciones estatales, dispositivos jurídico-burocráticos y experiencias socio-comunitarias en Latinoamérica y el Caribe

Ponentes

Caroline Silveira Sarmento

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

O objetivo deste texto é adensar a reflexão em torno da interdição da maternidade de mulheres com trajetória de rua. Na pesquisa de mestrado me debrucei sobre o tema da retirada de filhos de mulheres com trajetória de rua, essa como uma prática recorrente nas mais diversas cidades brasileiras e de outros países latinoamericanos. Por meio da etnografia desenvolvida desde 2015 com a população em situação de rua na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, na atual pesquisa de doutorado – sobre a qual reflito nesta comunicação a partir de dados do campo empírico – procuro compreender o que o Jornal Boca de Rua (publicação trimestral criada no ano de 2000, elaborada e comercializada por pessoas em situação ou com trajetória de rua) chamou de “círculo vicioso”: as mulheres têm suas filhas retiradas, enviadas para equipamentos de abrigagem, onde passam a fazer uso de métodos contraceptivos muitas das vezes de forma coercitiva e ao completarem a maioridade têm como destino a rua. Um exemplo disso e que busco aprofundar neste texto e na tese é o caso de Yara, que no começo do ano de 2023 completou 18 anos e está em situação de rua, após ter vivido 16 anos em abrigos por ter sido retirada de sua mãe aos 2 anos de idade. Se quando menor de idade, ela fora cuidada e protegida, ao completar a maioridade, precisa ser autônoma e “se virar”. Yara carrega consigo um diagnóstico de saúde mental, que lhe impõe tratamento medicamentoso, e faz uso desde a puberdade de injeções contraceptivas. Afora o sofrimento narrado por sua mãe, Amanda, que vive em situação de rua, pelo fato de a filha já ter 18 anos e ela “ainda” não ter tido condições de cuidá-la. Atento para o fato de que Yara pertence à terceira geração de mulheres com trajetória de rua, todas negras. Intento refletir sobre as moralidades e noções implicadas nos processos de gestão de mulheres, maternidades, famílias, crianças, adolescentes e jovens a partir da história de Yara. Desse modo, busco concentrar a reflexão nas práticas de governo, controle estatal, controle reprodutivo e controle de quem não pode/deve ser mãe; além do abandono de jovens devido à insuficiência de políticas para a etapa pós-institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil.