Ponencia

Marta Kalunga: uma matripotência audiovisual

Parte del Simposio:

SP.62: Antropoéticas: As grafias enquanto gesto político, ético e poético.

Ponentes

Lucinete Morais

Universidade Federal de Goiás

Produzir imagens é produzir afetos e sentidos

A produção do filme Marta Kalunga é a porta de entrada do campo etnográfico na cidade de Cavalcante, um dos portais da chapada dos Veadeiros, no estado de Goiás e região do maior sítio histórico quilombola Kalunga do Brasil.
O media metragem segue uma narrativa híbrida e etnográfica em que foram negociadas a construção das cenas. É um filme de encontro, de uma história que evita romantizar a mulher quilombola Kalunga.
Um fazer compartilhado em que as hierarquias cinematográficas são horizontalizadas e se faz potente o desejo coletivo de contar/narrar a história de Marta. Um filme de pandemia com intenção de valorizar os saberes e fazeres da mulher quilombola entre as meadas e a dança da suça reivindicado por Marta seu direito à memória.
Marta Kalunga é uma obra antiracista ao propor o deslocamento do corpo da mulher negra e das trajetórias de vida quilombola a partir do encontro com a protagonista da narrativa fílmica. Uma obra anticlassista quando se horizontaliza as funções da indústria cinematográfica.
Cabe dizer aqui que muitos foram os colaboradores desta obra, sem remuneração, feito na base do afeto, da amizade e por acreditar no encontro antropológico. Apenas, Thaynara Rezende recebeu uma verba simbólica pelo trabalho de filmagens e edição do filme. Marta Kalunga e eu investimos nossos recursos pessoais. Marta entrega sua história e eu materializo com meus recursos criativos, financeiros e parcerias para a realização da obra.
E, sem dúvida nenhuma, uma obra com foco no gênero, na vida da mulher quilombola Kalunga que se apresenta pelo real e o desejo dos lugares ocupados pelas mulheres na sociedade.
Desenvolver esse trabalho dentro dos caminhos da antropologia visual me levou a refletir sobre a produção e uso das imagens que estão num lugar de poder, identidades e memórias. Este trabalho de etnografia audiovisual é uma luta contra o condicionamento que fomos submetidos pelas imagens de subordinação, inferiorização e violências dos livros didáticos e dos meios de comunicação de massa que auxiliam na normalização do racismo estrutural e outras formas de opressões sociais.
Acredito que o trabalho de antropólogos visuais é sobretudo pensar formas de reparação histórica em que se anulou, silenciou, oprimiu e exterminou modos de vida. É um trabalho de não apenas fotografar/filmar/desenhar, mas o porquê fotografar/filmar/desenhar tal modo de vida, pessoa, território, bem. Que histórias queremos contar?
O filme Marta Kalunga se torna o próprio campo, entendido como ferramenta que permite atribuir significados e sentidos aos diferentes sujeitos na produção etnofílmica, na valorização dos patrimônios imateriais e seus territórios, principalmente das pessoas que vivem cotidianamente e atribuem valor a seus patrimônios.
Marta Kalunga é uma representante na tela do modo de vida quilombola Kalunga, especial, o Vão de Almas, sua comunidade de origem. Para a comunidade é uma honra a representação de Marta que transborda carisma, problematiza o contato, o encontro e a troca entre as culturas, chama atenção para a subordinação e coisificação da mulher.
Marta Kalunga é um filme espelho para as futuras gerações.