Minha trajetória como mulher e pesquisadora foi tremendamente alterada pelas contingências da maternidade e pelos desafios que ela me impôs como antropóloga. Nos primeiros anos após o nascimento do meu primeiro filho, hoje com 6 anos de idade, procurei recuperar o ritmo anterior de trabalho, investindo na construção de redes de apoio familiar e profissional que me permitissem, de alguma forma, trabalhar como quando eu não tinha um filho para criar, amar e amamentar. Meu contato com a perspectiva interseccional sobre a maternidade (HILL COLLINS, 2007; HOOKS, 2007) e estudos sobre novas abordagens metodológicas da etnografia (GÜNEL, VARMA e WATANABE, 2020; ALBUQUERQUE et al; 2023) apontaram para a importância de rever parâmetros de produtividade acadêmica e desenhar metodologias de pesquisa que permitissem às mulheres pesquisar e ser mães de uma forma mais contínua e mutuamente influente; contando, evidentemente, com o compartilhamento do cuidado, mas sem desconsiderar seu papel na reorganização da minha vida pessoal e profissional. As inquietações, que ainda eram particulares, logo desembocaram em um projeto intelectual interessado no reconhecimento da influência das subjetividades e posicionalidades no contexto acadêmico e na produção científica das mulheres (KILOMBA, 2020; DINIZ e GEBARA, 2022). Além de compartilhar experiências autobiográficas, de forma ensaística, neste trabalho irei revisar o que Roberto Cardoso de Oliveira (1996) compreende como o olhar, o ouvir e o escrever, tomados no artigo – já clássico na antropologia brasileira – enquanto pilares do trabalho etnográfico. A partir da revisão bibliográfica dirigida a textos que discutem metodologia de pesquisa em ciências sociais, o presente trabalho propõe a identificação de como a maternidade altera tanto a percepção (olhar e ouvir) quanto o pensamento (escrever) das antropólogas, momentos que, em conjunto, constituem e fundamentam o trabalho em antropologia. De forma complementar, este trabalho também visa identificar a variedade de sobreposições possíveis entre o pessoal, o profissional e o intelectual, convidando a discussão sobre a interseccionalidade para analisar os arranjos metodológicos que se criam a partir dos imponderáveis produzidos pela maternidade no contexto do patriarcado racial. Por fim, e considerando o exposto, o texto sinaliza o potencial feminista e antirracista da consolidação de práticas de pesquisa mais simpáticas à (re)configuração do trabalho intelectual a partir da sua articulação às tarefas reprodutivas e de cuidado.