O quarteirão do Carandiru é um lugar emblemático para a cidade de São Paulo, pois, em 1920, foi construído o maior complexo prisional da américa latina na época: a Penitenciária do Estado (PE). Em 1963, ao lado da PE, foi edificado o Complexo do Carandiru, uma prisão maior do que a anterior. Foi nesse estabelecimento que ocorreu, em 1992, o massacre de 111 privados de liberdade, perpetrado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
O Complexo do Carandiru foi implodido em 2002 e em seu lugar foi construído o Parque da Juventude. Apenas duas edificações foram preservadas e viraram a Escola Técnica Estadual (ETEC). Contudo, ainda permanecem no local outros complexos prisionais: Penitenciária Feminina da Capital (PFC), Penitenciária Feminina de Sant’Ana (antiga PE que em 2008 tornou-se exclusivamente feminina), Presídio da Polícia Civil e a sede da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) que coordena todos os presídios do estado. Há também, cada um localizado em uma das saídas do parque, dois museus: Museu Penitenciário Paulista (MPP) e o Espaço Memória Carandiru (EMC).
James Clifford diz que museus são zonas de contato inescapáveis onde o curador ou a instituição que financia o museu pode estabelecer relações desiguais com o objeto que vai ser exposto. No caso do MPP, a SAP administra o local e estabelece vínculos conflitantes com os privados de liberdade que são representados nas exposições. Não há nenhuma participação de pessoas em situação de prisão nas suas exposições; a “cultura prisional” é apresentada como perigosa e passível de intervenção; o museu escolhe a palavra “motim” ao invés de “massacre” quando se refere ao ocorrido de 1992; exalta homens da alta hierarquia da administração penitenciária e tenta atualizar as teorias da antropologia criminal.
No EMC as relações são outras. Ele é localizado dentro da ETEC do Parque da Juventude em um dos prédios que foi o Complexo do Carandiru. As suas exposições contam com relatos de privados de liberdade e ativistas dos direitos da população em situação de cárcere. Contém objetos artísticos que foram confeccionados dentro dos presídios e mostra como era/é a rudeza da vida dentro dos muros. Maurício, sobrevivente do cárcere e testemunha ocular do massacre de 1992, e Helen, egressa da PFC e fundadora do coletivo Por Nós, que auxilia mulheres privadas de liberdade, são colaboradores do EMC. Entretanto, o EMC é gerido pela ETEC que, na troca administrativa, começou a tratar Maurício e Helen com indiferença por serem egressos. Isso acarretou conflitos e terminou, em setembro de 2023, na impossibilidade de ambos entrarem e prestarem serviços no EMC.
Portanto, almejo refletir sobre esses dois espaços de memória que possuem um tema em comum, entretanto, disputam entre si discursos distintos e com relações e posições de poder desiguais.