Ponencia

“Essa obra só fará bem para a cidade”: uma breve reflexão sobre espaço, política e alteridade.

Parte del Simposio:

SP.39: Etnografías de la/en la vida urbana: territorios, espacios públicos y vulnerabilidades sociales

Ponentes

Dário Ribeiro de Sales Júnior

IFBaiano

Em uma queixa enviada ao jornal “A Tarde”, da capital baiana, um morador do Centro Antigo de Salvador acusou o Exército de apropriar-se de uma área pública para a construção de um estacionamento. O ponto de partida para as reflexões presentes neste artigo foi a metafórica “caixa preta” aberta pelo cidadão soteropolitano a partir de sua denúncia. Aqui, explorarei a concepção do espaço enquanto produto das relações entre humanos e não-humanos, bem como os desafios políticos que necessariamente se impõem aos diversos seres que constituem a multiplicidade discreta que compõem os espaços. Argumentarei que o estacionamento construído pelo Exército não deve ser entendido como um objeto neutro, tampouco como um mero suporte para intenções humanas, mas como um mediador. Além disso, ponderarei se é possível atribuir ao estacionamento e a outros não-humanos alguma agência nessa querela.
Neste trabalho, tenciono tematizar a concepção do espaço enquanto produto das relações entre humanos e não-humanos. Para tanto, iremos acompanhar o desdobrar de uma querela que envolveu um morador do Centro Antigo de Salvador, Bahia; o Exército Brasileiro e sua ampla rede de aliados. A análise deste episódio nos permitirá vislumbrar alguns dos desafios que o encontro com a alteridade impõe à construção do espaço e servirá de suporte ao argumento de que as soluções para imbróglios semelhantes são necessariamente políticas.
Em um episódio relativamente recente, um morador da Rua da Mouraria, no Centro Antigo de Salvador, Bahia, acusou o Exército de se apropriar de área pública. Em um relato eloquente e bem escrito, vimos a instauração de um conflito que demandava uma solução política. A julgar pelo relato do morador, a área confiscada pelo Exército, anteriormente, servira de estacionamento para os veículos dos moradores da região, “que ali sempre os guardavam”. Havia, aparentemente, um acordo tácito entre todos que garantia certa estabilidade ao espaço. “A quem pertence esse lugar?” e “quais usos devem ser dados a ele?” foram questões que surgiram (ou reapareceram) no debate público apenas quando as práticas de alguns dos envolvidos tornaram-se antagônicas. A partir do momento em que o Exército, com o apoio de ampla e poderosa rede, reivindicou o espaço para si, o morador deu-se conta da ausência da Prefeitura e, consequentemente, da ordem e da regulação que lhes permitiriam novamente viver juntos.