O presente trabalho tem por objetivo apresentar e debater sobre a trajetória das comunidades terapêuticas (CTs) e suas inflexões no arco mais amplo do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB). Tal como formulado pelo “campo social da saúde mental”, aquele invariavelmente comprometido com o cuidado em liberdade, entendo tais entidades como a expressão contemporânea de antigas práticas manicomiais excludentes e violadoras. Igualmente, tenho me atentado à posição representativa que tais instituições ocupam como uma oposição radical ou como uma conciliação distorcida dos princípios da RPB. Para tanto, a pesquisa de campo foi realizada em minha “aldeia-arquivo” (Carrara, 1998), em um esforço epistemológico de olhar para os papéis e não através deles (Ferreira; Lowenkron, 2020), de modo a mapear as teias relacionais onde algumas categorias circulam, se constituem e se transformam. A adoção da perspectiva teórico-metodológica de uma etnografia da documentação (Freire, 2022) e de categorias (Regenberg, 2023) considera que os documentos produzidos pelo “campo social da saúde mental” constituem um objeto antropológico significativo. Isto é, referem-se a uma trilha possível de acesso e interpretação sobre a política de saúde mental, álcool e drogas no país (Chaves, 2018). Ao caracterizar as comunidades terapêuticas como o seu antagonista, a produção de documentos aqui tomada como objeto de pesquisa revela os valores éticos, as expectativas de futuro e os projetos de sociedade aos quais esta coletividade de atores se filia. Sendo assim, considerando o contexto de retrocessos significativos (Silva, 2020) na condução das Políticas Nacionais de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, entre os anos de 2015 e 2022 e a criação do departamento de apoio às CTs no início do ano de 2023, proponho uma investigação de tais ações de governo – conhecidas no senso comum como políticas públicas – como uma possibilidade de entrada ao estudo de fenômenos reunidos sob o termo Estado (Souza Lima, 2012).