Ponencia

Entre o desconforto e a reflexividade etnográfica: Os incômodos que podem despertar o canto do hino nacional

Parte del Simposio:

SP.10: Experiencias de comunicación y diálogos en las antropologías latinoamericanas: posicionamientos, prácticas e interlocutores

Ponentes

Adriana Angerami

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Entre os meses de junho e setembro de 2023, realizei uma imersão etnográfica em escolas da rede pública brasileira que aderiram ao Programa Nacional de Escolas Cívico-militares (Pecim), uma política que levou para o contexto escolar a participação direta de militares aposentados das Forças Armadas do Brasil para atuar no monitoramento do cotidiano da instituição. O respectivo programa foi instituído pelo Decreto 10.004/2019, durante o Governo Bolsonaro, e revogado pelo Decreto 10.611/2023 com a transição para o Governo Lula. Inicialmente, a pesquisa consistia em analisar as dinâmicas do cotidiano das escolas cívico-militares, apontando para os desdobramentos que as práticas oriundas de um ethos militar poderiam impactar na cultura escolar dessas instituições. Ao chegar nessas escolas, fui surpreendida positivamente com a recepção prestativa dos militares, meus principais interlocutores da pesquisa, com os quais construí relações harmônicas e de contribuição mútua durante toda a imersão. Em dissonância com minhas expectativas, os desconfortos em torno da negociação em campo com os interlocutores não surgiram; entretanto, eles emergiram de outras situações vivenciadas junto deles: os rituais coletivos semanais de exaltação de símbolos nacionais realizados nas escolas cívico-militares. Afetou-me, particularmente, o momento ritualístico em que toda a comunidade escolar se reunia para cantar o hino nacional do Brasil. Em especial, porque o hino, juntamente com a bandeira nacional, foram apropriados por movimentos ultra-liberais e neo-conservadores radicais referidos como bolsonaristas – apoiadores da candidatura de Jair Bolsonaro nos últimos pleitos e se tratam de movimentos e ideologias políticas das quais discordo como cidadã. Em meio ao campo de pesquisa, ser incitada a cantar o hino nacional junto dos meus interlocutores e demais sujeitos da comunidade escolar despertava reiterado e forte desconforto. Durante as observações participantes questionava-me sobre os limites da prática “participante” em que o momento do hino nacional me colocava. Foi a partir desse desconforto causado nessa situação específica no contexto etnográfico investigado que passei a elaborar mais profundamente sobre a alteridade. Diante deste quadro, explorarei, por meio das contribuições antropológicas sobre ética na pesquisa, em especial por meio da ‘ética do desconforto’ (Cláudia Fonseca, 2008; Michel Foucault, 1998), como essas inquietações e desconfortos subjetivos abrem brechas potentes de reflexividade sobre acontecimentos mais amplos em torno das disputas políticas dos últimos anos no Brasil, em geral, sobre os impactos do nosso saber-fazer etnográfico na interação com nossos interlocutores.