No Brasil de 2023, mais especificamente no Rio de Janeiro, mortes decorrentes de intervenção policial ocorrem com incômoda frequência. Nos últimos tempos, diversas instâncias de violência têm afetado a população de baixa renda, predominantemente compostas por pessoas negras, no Brasil. Embora o uso da força, quando legalmente autorizado, seja inerente à atuação das forças policiais, o número de óbitos, juntamente com a carência de informações sobre as circunstâncias reais dessas mortes, é inaceitável em qualquer sociedade que preza pela democracia. Essa situação não é casual, mas sistemática. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no último ano, 6.429 indivíduos perderam a vida em decorrência de intervenções policiais, evidenciando uma tendência histórica e suspeitas de uso excessivo da força. Entre as vítimas, 7,5% tinham idades entre 12 e 17 anos, e 45,4% tinham idades entre 18 e 24 anos.
Para além das vítimas diretas da violência de Estado perpetrada por forças policiais, há consequências que atingem sujeitos de forma secundária, modificando de forma significativa, seus modos de convívio em sociedade. É o caso de familiares que protagonizam a busca pela elucidação dos fatos nesses casos, participando diretamente na produção probatória, numa expressão de luta por justiça e memória (Eilbaum, 2021). O presente trabalho tem por objetivo apresentar, a partir da descrição densa de casos concretos, de que forma atuam mães de vítimas de violência de Estado a fim de elucidar fatos. Para além, a pesquisa revela que as mães são (re)vitimizadas ao longo desse processo, submetidas a outras formas de violência que perpassam por estigmas que são atribuídos.
Comumente as mães/companheiras das vítimas por vezes exercem o papel de investigadoras. São elas que, além de exercer o papel de “cobradoras” da justiça, buscam as testemunhas para o caso e procuram provas que sejam capazes de tornar aquela vítima merecedora de uma efetiva investigação e ainda, reforçam o local de vítima daquele ente que foi morto por agentes do Estado (LEONES, 2022). A necessidade de justificar que um indivíduo não “merecia” tal fim nos escancara como o Estado trata e se mostra para os moradores de favela, pretos e pobres, principais vítimas de violência estatal e maioria nos casos de morte decorrente de intervenção policial (FARIAS, 2015). Assim como aqueles que estão presos passam por um processo de mortificação (GOFFMAN, 1961), os familiares daqueles que foram brutalmente mortos também. Seria esta uma prisionização secundária (CLEMMER, 1940).
Os casos revelam que as mães de vítimas de violência de Estado têm suas vidas modificadas. Para além do processo de luto por si só, a busca por justiça perpassa a mulher numa dinâmica que implica na modificação de suas identidades sociais. Ademais, são os familiares/mães que possuem protagonismo na busca por provas e testemunhas, travando diálogo com as autoridades do processo, movimentos sociais e a militância dos direitos humanos.
Ao longo dessa “luta por justiça” as mães entrevistadas costumam dizer que são “desacreditas” pelas instituições, numa evidente tentativa de criminalizar a família, partindo-se de um lugar de presunção de culpabilidade da pessoa.