Esse trabalho discute a experiência de mulheres gordas como corporalidades dissidentes à partir de dados produzidos através de entrevistas etnográficas com 15 mulheres e observação participante em um groupo Facebook voltado à temática da gordofobia. O objetivo inicial da pesquisa era de documentar como a gordofobia, preconceito em relação a pessoas gordas, foi vivida por mulheres gordas durante a pandemia da COVID-19 e como esta experiência foi expressa nas redes sociais (relatos, fotografias compartilhadas, troca de informações, etc.). Procurávamos sobretudo identificar as situações sociais onde o estigma havia sido experimentado, como relações familiares e pessoais, mas também no ambiente de trabalho ou espaços públicos. Esse estigma foi reforçado sobretudo à partir da associação entre a categoria médico-diagnóstica “obesidade” e o desenvolvimento de formas graves de COVID-19, uma associação que circulou muito durante os anos de 2020 e 2021 nos discurcsos midiáticos, governamentais e médicos. Todavia, a partir de nossos dados de pesquisa discutimos também como no mesmo período houve uma ampla utilização das mídias digitais para compatilhamento de experiências e busca de informação. Para boa parte das entrevistadas foi nesse momento o contato mais aproximado com o ativismo anti-gordofobia e em alguns casos mesmo o contato com o termo gordofobia. Um ponto bastante interessante dos resultados participais concerne as vivências contraditórias resultantes da associação entre a corporalidade vivida e o adoecimento, fruto de um reconhecimento feito à partir dos discursos externos sobre corpos que são ditos doentes, gerando sofrimento, medo, sentimento de risco de morte. Em situações como por exemplo a vacinação contra a COVID essas vivências contraditórias também tomam forma: de um lado, o desejo de adesão a um movimento de desestigmatização e despatologização, uma perspectiva crítica com relação a medicalização dos corpos gordos, e de outro o sentimento de precisar aderir de modo instrumental a algumas categorias bio-médicas estigmatizantes como recurso de acesso à cuidados de saúde e ao direito à vacina. Analisamos também as micro estratégias criadas e mobilizadas pelas interlocutoras durante suas trajetórias de diálogo com o saberes biomédicos em experiências diversas de busca por cuidados. Ainda que não se trate de uma pesquisa auto-etnográfica, a dimensão de minha própria experiência enquanto pesquisadora mulher, gorda e imigrante precisa ser considerada como lugar de produção de concimento. Foi à partir desse lugar que as entrevistas foram realizadas, criando aberturas de diálogo com as interlocutoras de pesquisa, e é também a partir desse lugar que a interpretação e análise dos dados é proposta.