Nesse trabalho, apresentamos reflexões oriundas de nossa pesquisa no Programa de Pós Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas – RS/Brasil. Estamos abordando o tema da construção de instrumentos musicais, sob a perspectiva da antropologia da técnica e os concebendo enquanto dispositivos técnicos/tecnológicos e epistemológicos. A pesquisa encontra-se em fase de desenvolvimento. Portanto, pretendemos apresentar uma visão panorâmica da investigação, bem como alguns resultados parciais. Em linhas gerais, as ideias estão organizadas de modo a contemplarmos articuladamente discussões conceituais, reflexões acerca de pressupostos filosóficos e teórico-metodológicos e abordagem empírica. Com a finalidade de alcançarmos melhor compreensão, discutimos cada uma dessas dimensões separadamente. Mas é importante mantermos em mente a ideia que os conceitos, teorias e práticas constituem um todo integrado e interrelacionado.
Em relação à dimensão conceitual, são centrais os conceitos de instrumento musical, de técnica e de tecnologia. No entanto, a abordagem de cada um deles revela a necessidade de digressões, tornando fundamental a abordagem quanto a concepção de novas ideias, tais como as de música. Pensar nos instrumentos musicais como dispositivos técnicos/tecnológicos e epistêmicos nos conduz a uma ampliação de possibilidades. Passamos a compreendê-los para além de objetos que permitem fazer música. Ou seja, compreendemos que o conceito de instrumento musical envolve outras filosofias, além daquela que define os objetos em detrimento de sua função, ou finalidade.
Além disso, desse modo o estudo sobre instrumentos musicais vai além da organologia, que corresponde ao instrumento musical em si mesmo, sobretudo em seus aspectos fisiológicos. Essa ampliação suscita a incluirmos no estudo conceitual sobre instrumento musical, ideias de comportamento em relação a eles. Dentre diferentes possibilidades, focamos nos comportamentos relativos à construção dos instrumentos musicais, o que nos leva à conexão entre os instrumentos e o estudo das técnicas e tecnologias. Esses conceitos têm sido discutidos por diversas áreas do saber e por diferentes setores da sociedade. Em nossa investigação, o eixo temático sobre técnica e tecnologia aponta para a necessidade de esclarecimentos quantos à equivalência, às divergências e às relações entre esses termos, sendo que estamos fundamentando nossa abordagem, principalmente a partir da contraposição das propostas da escola francesa e da contribuição do autor brasileiro Álvaro Vieira Pinto.
Os procedimentos metodológicos dessa pesquisa etnográfica contemplam duas fases. A primeira, estabelece esse acercamento teórico, com revisão de literatura e definições conceituais importantes para compreensão do contexto temático. E a segunda corresponde ao trabalho de campo, caracterizada sobretudo pela observação participante/flutuante e utilização de entrevistas semiestruturadas. A fase de trabalho de campo, está fortemente caracterizada pela observação participante, já que pretendemos realizar uma interação prática com pessoas que fabricam instrumentos. A ideia é que tenhamos a oportunidade de aprender sobre construção de instrumentos musicais também a partir do fazer. O aspecto flutuante da observação surge no modo como construiremos o protocolo de ida a campo. Como nos ensina Colette Pétonnet, essa forma de observação prevê o deixar-se flutuar e permitir-se a ver tudo que está para além do foco delimitado pelo objetivo de uma observação participante.