Em sua atuação cotidiana e pública, a expressão da hostilidade à hospitalidade tem sido evocada recorrentemente por Padre Júlio Lancellotti em suas falas para fomentar uma sensibilidade que seja capaz de perceber como as cidades podem ser agressivas às pessoas desde os seus detalhes.
O religioso mobiliza desde ações cotidianas de assistência as pessoas em situação de rua da cidade de São Paulo, como fomenta o debate de garantia e cumprimento da função social dos espaços , e inspirou a criação de uma lei federal para coibir as instalações consideradas “antipobres”, que promovem a espoliação do uso das cidades por esses sujeitos tidos como indesejáveis. O projeto de lei 488/2021 de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), nomeado “Lei Padre Júlio Lancellotti”, visa alterar o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) para vedar o emprego de técnicas de arquitetura hostil (SOUZA e PEREIRA, 2019) em espaços livres de uso público com vistas a garantir o livre trânsito da população, sobretudo, aquela em situação de rua. De acordo com o propositor, a promulgação da Lei nº 14.489/2022 em 21 de dezembro de 2022 representa uma importante conquista em prol de cidades mais humanas e democráticas.
Apesar dos desafios cotidianos para garantir este fim – afinal, estamos num país cuja justiça preza sobretudo pelo direito de propriedade –, o padre considera que a Lei e as suas ações públicas podem despertar nas pessoas um estranhamento para com a estratégias ocultas em torno das paisagens urbanas. Sendo estes, planejados estrategicamente por outras pessoas para combater aquelas que, sob certas perspectivas, são tidas como invisíveis e apresentado pela filósofa espanhola como aporofobia, ou seja, a aversão ao pobre.
Nesse sentido, o trabalho buscará refletir por meio da etnografia, como as ações inscritas enquanto uma Pedagogia Urbana eventualmente pode produzir, por um lado, a conformação de políticas públicas de promoção do direito à cidade e, por outro, validar outras formas de viver a cidade a partir das condições de pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. Vislumbra-se ampliar as problematizações sobre as intenções e consequências da arquitetura hostil e da aporofobia na cidade de São Paulo, lócus do presente estudo, evidenciado um conjunto de situações concretas que são sintomáticas da tentativa de controle dos espaços urbanos e das pessoas vulneráveis, como aquelas em situação de rua.