Ponencia

A maconha no Judiciário: uma análise das disputas e classificações em torno da planta a partir de processos judiciais no Brasil

Parte del Simposio:

SP.63: Ações coletivas, estratégias de regulamentação e demandas pelo acesso legal à maconha na América Latina

Ponentes

Luana Martins

Programa de Pós-Graduação em Justiça e Segurança (PPGJS) Universidad Federal Fluminense (UFF)

Brasil

Frederico Policarpo

Universidade Federal Fluminense

Brasil

O debate público em torno dos usos terapêuticos da maconha no Brasil ganhou destaque a partir de um documentário chamado “Ilegal: a vida não espera”, de 2014. O filme, que revela o drama de familiares para conseguir acesso ao óleo extraído da maconha para fins medicinais, documenta um processo que acabou culminando em regulamentações inovadoras da ANVISA – a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A partir da articulação e pressão de diferentes atores e dos debates gerados pelo filme, a referida agência, responsável pelo controle sanitário de substâncias no país, retirou, em 2015, o CBD (canabidiol) da lista de substâncias proscritas e, um ano depois, o THC (tetraidrocanabinol), possibilitando, com isso, sua importação, desde que autorizadas pela própria ANVISA. Quase 10 anos após o documentário, esse cenário passou por diversos movimentos, e um deles foi tornar o debate acerca dos usos terapêuticos da maconha muito mais abrangente na sociedade brasileira. Por outro lado, o cultivo doméstico da maconha, bem como seu consumo para outros fins, permanece proibido em todo país. E é nesse contexto que surge, a partir de um coletivo de juristas, uma estratégia para que, através do Judiciário, obtenham-se salvos-condutos para o cultivo doméstico da planta para fins medicinais: a impetração de habeas corpus. Nesse sentido, o Judiciário é apresentado como um “balcão de direitos”, visto que é acionado para que seja garantido o “direito à saúde” e a “dignidade” que o uso da maconha como remédio oferece aos pacientes que a utilizam. Entre 2017 e 2018, no contexto de uma pesquisa para analisar esse processamento na Justiça, descrevemos, em um artigo em coautoria, como o poder judiciário legitimava um uso – o terapêutico – em detrimento de outro – o não terapêutico –, bem como os sentidos de justiça acionados pelos operadores do direito para justificar suas decisões. Se naquele período havia entre 10 e 20 salvos-condutos autorizando o cultivo doméstico da planta, hoje, calcula-se que já existam mais de 3500 em todo país. Nesse cenário, com a profusão de habeas corpus impetrados, ressalta-se que alguns deles – embora sejam a minoria – foram indeferidos. Nessa direção, neste artigo, nosso objetivo é descrever os caminhos por meio dos quais esses processos tiveram um processamento distinto da maioria, considerando-os bom para pensar moralidades e disputas em torno de classificações da planta a partir dos tribunais e compreender em que medida elas interferem nessas decisões. Por outro lado, é de se atentar também até que ponto os “saberes judiciais” e outros fatores contribuíram para tal percurso, sobretudo levando em conta a “montagem do processo”. Por isso, levamos também em conta a interlocução com advogados que atuam nesse campo e suas percepções sobre esses casos, no sentido de compreender disputas e classificações em torno da maconha no Judiciário, a partir da análise desses processos e de entrevistas com esses atores.