Ponencia

Unidades de Conservação, vidas com a terra e a responsabilidade antropológica

Parte del Simposio:

SP.47: Antropología de la conservación. Naturalezas, territorios y Estados en tensión

Ponentes

Clarissa Lima

USP

A proposta da comunicação é aproximar duas situações experienciadas por populações tradicionais que ocupam Áreas Protegidas no Brasil: os ribeirinhos cujas terras estão localizadas no interior da Estação Ecológica da Terra do Meio, em sua maior parte no município de Altamira, Pará, na amazônia brasileira; e os moradores da Terra Indígena Xukuru do Ororubá, localizada no agreste pernambucano, indígenas da etnia que dá nome à T.I. Ao ter seu território incluído nos limites da ESEC, os ribeirinhos passaram a conviver com a ambiguidade de habitar uma modalidade de Unidade de Conservação de Proteção Integral e que, portanto, não os reconhece como parte da composição do seu próprio território; e a insegurança que rege o Termo de Compromisso assinado pelo ICMBio, a resposta encontrada pelo Estado para poder ao mesmo tempo sustentar a UC como unidade de “proteção integral”, e criar uma exceção para a permanência dos ribeirinhos no interior dos seus limites, nunca plenamente garantida e condicionada à observância de regras que inviabilizam, segundo os próprios ribeirinhos, o seu modo de vida. Com a criação da Terra Indígena, os Xukuru passaram a conviver com um limite que até então lhes era estranho: somente os que residem no seu interior são considerados indígenas e acessam os direitos assegurados a esses grupos; direitos que não são estendidos às famílias cujas terras ficaram fora da demarcação, consideradas igualmente famílias de gente Xukuru. Ser indígena e ser Xukuru são coisas distintas. Um está dentro, outro está dentro e fora dos limites da T.I.
Ao aproximar essas realidades etnográficas distintas, é preciso dizer de antemão que a minha intenção não é homogeneizar as suas diferenças pelo que têm em comum (serem populações reconhecidas pelo Estado brasileiro como tradicionais, cujas terras são tratadas por esse mesmo Estado como Áreas Protegidas). Tampouco, e isso precisa ser dito e sublinhado, questionar a existência de leis que asseguram constitucionalmente a existência de UCs e Terras Indígenas, e os direitos constitucionais das populações tradicionais no Brasil. Antes, ao promover o diálogo de experiências de relação com o Estado brasileiro, que impactam e limitam de maneiras diversas e por razões distintas a vida dessas populações, o meu objetivo é o de propor uma reflexão crítica de noções estruturantes da legislação no tocante às Áreas Protegidas e à garantia de direitos às populações tradicionais, a partir do que é evidenciado e potencializado por cada uma dessas realidades, em particular e quando pensadas conjuntamente. Em particular: 1) o papel da antropologia na formulação e legitimidade emprestada às noções que são mobilizadas pelo Estado brasileiro nesses contextos, e em que medida sustentam e são sustentadas por imaginários idealizados, incompatíveis com o modo de existência das populações às quais são destinadas e 2) a responsabilidade da antropologia, sobretudo na promoção de um alargamento conceitual do que está previsto na legislação, de modo que esta deixe de operar como um limite excludente e subjugador e passe a reconhecer, ser habitada, multiplicada e compatível com formas de vida como as que pulsam nessa comunicação.