Ponencia

Uma “resposta legislativa”: noções de família, gênero e infância nas disputas em torno da Lei de Alienação Parental no Brasil

Parte del Simposio:

SP.27: Procesos de producción y gestión de las infancias, las adolescencias y sus familias: acciones estatales, dispositivos jurídico-burocráticos y experiencias socio-comunitarias en Latinoamérica y el Caribe

Ponentes

Júlia Viana Palucci

Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense

A Lei de Alienação Parental (LAP) entrou em vigor no Brasil no ano de 2010. Seu projeto de lei, do ano de 2008 (PL 4053/2008), caracteriza como alienação parental a “interferência promovida por um dos genitores na formação psicológica da criança para que repudie o outro, bem como atos que causem prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção do vínculo com este”. O documento chama a atenção para a necessidade de uma “resposta legislativa” à “escalada de conflitos decorrentes de separações conjugais” na década de 80. Isso porque, segundo a justificação do PL 4053/2008, a alienação parental seria um fenômeno que causaria distúrbios de ordem psicológica às crianças e feriria o direito ao exercício da paternidade.
Dentre as argumentações do PL, há considerações sobre a desnaturalização da “função materna” e a entrada dos pais como participantes dos cuidados com os filhos e, consequentemente, sobre o desenvolvimento de um laço afetivo, laço que passaria a caracterizar a “família moderna”, não mais uma “mera unidade produtiva”, mas sim como uma “filiação afetiva”. Além disso, o texto evidencia a importância de um tratamento interdisciplinar na legislação, que considere questões de ordem psíquica e reconheça o dano afetivo causado pela ausência do convívio paterno-filial.
A importância da lei também teria como papel reprovar socialmente a alienação parental e garantir a punição do «genitor” alienador. Apesar de o PL apontar a palavra “genitor” como uma “referência genérica” ao alienador e ao alienado, em diversos trechos a figura da mãe é associada ao “genitor” alienador, enquanto o pai é o alienado.
A partir desse e de outros documentos, bem como de entrevistas com profissionais que atuam em torno da lei e da participação em eventos de discussão do tema, neste trabalho proponho refletir sobre as noções de família, de gênero e de infância que são mobilizadas na defesa da criação de um dispositivo jurídico-burocrático específico, bem como na atual luta contra este mesmo dispositivo. Afinal, enquanto o PL 4053/2008 pretende somar a LAP aos dispositivos legais já existentes no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para administrar conflitos familiares, os atores que lutam pela revogação da lei a colocam como uma violadora não somente dos direitos das crianças, mas também das mulheres que são suas mães. Proponho, portanto, que a análise desse dispositivo e das disputas em torno dele oferece um cenário proveitoso para debater sobre as tensões existentes em conflitos judiciais envolvendo crianças e os direitos atrelados ao exercício da parentalidade, em especial da maternidade.