Há menos de um século, na década de 1950, quando não se imaginava haver grupos indígenas sem contato no Brasil meridional, os Xetá, grupo indígena de língua tupi-guarani, então um grupo caçador-coletor, foram alcançados pela frente de expansão cafeeira e contatados no noroeste paranaense. A partir do contato, enfrentaram súbita redução demográfica: os registros históricos indicam que, em menos de uma década, perderam 70% de sua população. Ao mesmo tempo, suas terras lhes foram subtraídas no mesmo momento em que eram retirados do lugar, como se noticiou, em caminhões, com destino desconhecido ainda na atualidade. A inépcia do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) é marcante e resta claro que a instituição tutelar se alinha na facilitação do projeto de colonização levado a cabo na Marcha para o Oeste do período getulista. Naquela ocasião, as pessoas que lograram sobreviver à vasta violência foram desterritorializadas (como permanecem seus descendentes até os dias de hoje) e crianças foram distribuídas – enquanto “adotadas” – entre famílias brancas de colonizadores da região – estão vivas ainda algumas delas. Entre tantas, uma dessas crianças “adotadas”, do sexo feminino, cresceu e foi sexualmente violentada na casa da família que a recebia – lugar onde era empregada em serviços domésticos – tendo, de modo repetitivo, continuidade sua trágica história. No desenrolar de situação tão absurda, sem qualquer amparo, a biografada foi abandonada, por seus “pais adotivos”, em uma casa de prostituição. A partir de registros da Penitenciária Feminina em que a biografada foi encarcerada após ser sentenciada por um determinado delito, irei abordar, em microescala, os efeitos cumulativos da violência sofrida por ela própria e pelo seu povo, o qual permanece ainda hoje vivendo em exílio em terras de grupos indígenas contatados há mais tempo, como são os Kaingang e os Guarani, com os quais se misturaram e conseguiram relativa recuperação demográfica.