No presente ensaio relato meus primeiros afetos para o estudo antropológico que tenho desenvolvido com as memórias de famílias negras migrantes a partir de acervos imagéticos particulares. Uma jornada que se dá pela trajetória de minha própria família estendida, da qual até então pouco sei sobre o passado anterior a mim, especialmente no que diz respeito ao deslocamento de Minas Gerais para São Paulo. Isto, tanto porque não parei para olhá-lo com interesse antropológico, como porque parece estar entre as dinâmicas dos “esquecimentos”, “silenciamentos” e “não-ditos”, nos termos de Michael Pollak (1989).
Intitulada de “Conheça sua família”, a pesquisa é o legado deixado por uma tia-avó perdida dos parentes ao longo da vida, a qual nos reencontrou já idosa, antes da própria morte. Por meio das “narrativas biográficas” na etnografia (Kofes, 2015) e das “fotobiografias” na fotografia de família (Bruno, 2012), tenho o interesse de compreender quais memórias estas famílias negras têm acesso pela apropriação afetiva e circulação de seus acervos. Contudo, argumento que conhecer família exige, antes, uma jornada pelo “nada”.
Ampliando o problema que toca minha realidade para a ausência de representação das trajetórias familiares negras na memória nacional, uma jornada pelo “nada” significa pensar, por outro lado, como as associações, as conexões parciais, as sobrevivências, os rastros e as reverberações presentes no pensamento de Aby Warburg sobrepõem temporalidades como modo de conhecer o mundo e, consequentemente, conhecer família. Mais que isso, servem como pressuposto efetivo para o desenrolar da pesquisa – os primeiros interesses de intervenção na realidade social.
Aqui, percorrerei especialmente uma imagem psíquica, nos termos de Walter Benjamin (Didi-Huberman, 2007): a relação que mobilizei em meu projeto de pesquisa entre o deslocamento forçado de pessoas negras no período escravocrata e a migração de famílias negras no contexto capitalista – aproximação que fiz pela impossibilidade de nos mantermos “na” e “com” a sociedade de origem. O que se dá, em articulação com a seguinte ideia: Quando “nada” ou pouco se sabe sobre um campo de pesquisa, no meu caso, sobre a trajetória dos meus parentes, o que a associação livre, antes mesmo dos acervos imagéticos, nos pode revelar?
É nesse sentido que o anacronismo e a montagem presentes no pensamento warburguiano, assim como a noção de fabulação crítica de Saidiya Hartman (2020), em diálogo com alguns debates contemporâneos em arte, antropologia e imagem, serão pensados menos como um erro de cronologia, e mais como potência criativa a ser explorada. Uma potência a ser mergulhada com imagens e pelo uso da subjetividade sobretudo por aqueles que, como eu, estão buscando conhecer algo ontológica e epistemologicamente e, ainda, estão pesquisando uma temática que os atravessa.