Ponencia

“Trajetória de trabalho”: mediações , redes e projetos na trajetória de Arolde de Oliveira

Parte del Simposio:

SP.19: Interrogando la política y las políticas desde abordajes etnográficos. Desafíos para la construcción de conocimiento antropológico

Ponentes

Raquel Sant Ana

UFRJ

Embora nas últimas décadas a palavra “evangélicos” tenha se consolidado como modo de nomear uma diversidade grande de tradições mais ou menos referidas à Reforma Protestante, a capacidade explicativa ou mesmo classificatória do termo é limitada e marcada por seu desenvolvimento histórico. No Brasil, ele se tornou especialmente relevante a partir do crescimento, em meados do século XX, de igrejas e grupos ligados principalmente (mas não apenas) ao pentecostalismo em suas diferentes “ondas” (Freston, 1993, Sant’Ana, 2017). Entre as características desse crescimento, a centralidade adquirida pela ideia de “batalha espiritual” é uma das que teve as maiores implicações. Uma vez que ela desafia a divisão moderna entre o que seria “religião”, “economia” e “política”, o problema da laicidade (e possíveis ameaças à ela e à democracia) passou ao centro de controvérsias e disputas. Com frequência, atribui-se a essa coletividade e a suas lideranças um papel importante na ascensão do conservadorismo no país.
Neste trabalho, analiso as dimensões históricas da construção dessa coletividade a partir da trajetória social de Arolde de Oliveira, cuja longa carreira pública permite entrever processos de mediação, disputas, formação de quadros e associação implicados não apenas na construção de uma imaginação de coletividade evangélica mas, sobretudo, nos processos mais amplos que compuseram a chamada “Nova República”.
Muito antes de se tornar um dos maiores comunicadores e articuladores evangélicos, Arolde construiu uma carreira como quadro de alta qualificação técnica militar nos anos 1960, participou da formulação estratégica e operacional do sistema de telecomunicações no Brasil e no mundo, investiu pioneiramente na formação de uma indústria cultural gospel, foi deputado constituinte e teve diversos mandatos legislativos e cargos no executivo desde então. Assim, analisar o processo pelo qual ele se constrói como mediador (Velho, 2001) nos permite vislumbrar em parte a confluência de projetos, redes e recursos que participou da construção dos “evangélicos” como coletividade imaginada e que não se restringem aos elementos comumente atribuídos ao campo religioso.
A pesquisa parte do tratamento etnográfico de fontes de arquivos pessoais e públicos relativos à carreira de Arolde, jornais, sites, postagens em redes sociais, entrevistas com assessores e trabalhadores que participaram de algumas das principais operações que ele compôs, mas, sobretudo, da biografia autorizada e promovida por ele próprio em vida em colaboração com Eraldo Montenegro. Os termos em que Arolde se apresenta ali, em especial, sua noção de trabalho, servem de eixo central para a análise.