Ponencia

«Tortura mesmo era só na ditadura»: discursos e representações a respeito da tortura e da violência no Brasil

Parte del Simposio:

SP.67: Los desafíos actuales de los sitios de memoria: la gestión política de violencias masivas pasadas y presentes

Ponentes

Natália Barroso Brandão

INCT - InEAC

O presente artigo propõe uma reflexão a respeito de como a tortura é compreendida atualmente no Brasil, principalmente pelos operadores do Direito em sua atuação no julgamento de casos envolvendo violência estatal. O crime de tortura está previsto na legislação brasileira e, ao contrário do previsto em Convenções e Tratados Internacionais, pode ser cometido por qualquer pessoa, não sendo próprio de agentes do Estado. Além disso, é definido de forma inexata, o que dá margem para diferentes interpretações do que configura o crime de tortura. A partir de trabalho de campo realizado no âmbito das audiências de custódia, audiências estas que têm, dentre outros, o objetivo de averiguar a ocorrência de tortura e maus-tratos no momento da prisão, pude perceber que os operadores do Direito têm representações muito diversas a respeito desta questão. Ainda que diariamente haja um número grande de relatos de tortura, alguns operadores do Direito compreendem a tortura como algo circunscrito ao período ditatorial, tendo o país «superado» está prática. Outros naturalizam a violência policial no momento da prisão, entendendo esta como necessária e inevitável, uma vez que os «bandidos» mereceriam este tratamento por parte do Estado. A ideia de que esta prática ocorria apenas durante a ditadura está associada ao fato de que, neste momento histórico, foi aplicada a pessoas «não torturáveis». Durante a ditadura militar, os métodos de interrogatório e punição utilizados no tratamento de presos comuns passaram a ser utilizados em relação a «criminosos» políticos. O crime de tortura é muito associado a este momento histórico em virtude do fato de que as pessoas a quem se dirigiu não serem aquelas às quais a violência do Estado comumente se direciona, ainda nos dias de hoje. Busco, portanto, refletir acerca de como a pessoa a quem a prática se dirige é mais determinante para que esta seja compreendida como tortura do que a dinâmica do fato ou aquele que a pratica.