Como apresenta a antropóloga Ann Laura Stoler (2010), os arquivos guardam, além de seu conteúdo, uma série de práticas de governança em seus tipos de escrita, gêneros de documentação, categorias de confidencialidade e modos de classificação. Observar essas práticas de governança e controle é um meio pelo qual se pode compreender os diferentes significados e interpretações dos documentos. Estes, longe de serem neutros, modificam o olhar do pesquisador e devem ser vistos com estranhamento. Neste sentido, podemos correlacionar essas técnicas como uma forma de controle sobre a construção da memória, a produção do esquecimento e a criação de fatos. No entanto, ao se compreender tudo isso, é necessário ter em mente que a emergência de novas tecnologias de construção e preservação de documentos impõe novas questões a esse campo de atuação. Desta forma emergem novos espaços de disputa para questionar as histórias oficiais e as memórias coletivizadas. Assim como são construídos novos riscos éticos e práticos em relação à guarda de informações pessoais ou à segurança de grupos marginalizados. O presente trabalho tem como objetivo compreender como essas técnicas de arquivamento são transformadas e modificadas com a emergência dos processos de digitalização. Isso ocorre porque, se a digitalização implica na transformação das materialidades dos documentos, como a translação do documento físico para o digital pode desafiar os antigos padrões de controle arquivístico? Pretende-se desenvolvê-lo por meio da análise que visa relacionar o campo da Etnografia em Arquivos e Documentos com as discussões associadas às Materialidades e Materiais, possibilitando assim ampliar ambos os campos de discussão presentes atualmente na Antropologia. Com isso, busca-se entender de que maneira as características materiais dos documentos influenciaram a produção, organização e digitalização dos fundos e coleções que constituem os arquivos. Será considerado o caso de uma Instituição Arquivística que já iniciou um processo de digitalização de seus documentos, o Arquivo Edgard Leuenroth; este foi criado em 1974, com a chegada da documentação impressa reunida pelo militante anarquista que nomeia a instituição. De forma mais recente, iniciou-se o projeto AEL Digit@l. Este está em andamento desde 2011 e visa ampliar o acesso e a preservação dos documentos pertencentes à Instituição. Atualmente, o projeto conta com pelo menos 14 fundos total ou parcialmente digitalizados, os quais estão disponíveis para consulta por meio do site da AEL.