Ponencia

“Só de ver minha médica fico bem”: prática, cuidado e diferença nas visitas domiciliares

Parte del Simposio:

SP.20: Problemas, debates y desafíos actuales en el campo de la antropología de la salud latinoamericana

Ponentes

William Rosa

Universidade Estadual de Campinas

Realizo atualmente uma etnografia acerca das relações entre racismo, saúde e cuidado, com especial atenção aos processos de materialização da raça e aos efeitos do racismo nas práticas e saberes médicos. Para tanto, meu trabalho de campo ocorre em um grupo de pesquisa sobre saúde da população negra e em um centro de saúde escola de Atenção Primária à Saúde da cidade de São Paulo. Uma das frentes que tem me chamado a atenção e que objetivo explorar neste trabalho diz respeito às visitas domiciliares aos pacientes que não possuem meios físicos e/ou materiais para se locomoverem até o serviço e os modos pelos quais os efeitos de processos de racialização e do racismo são articulados nessas circunstâncias. No contexto de minha pesquisa, a visita domiciliar ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro é uma das maneiras de levar o cuidado para os territórios e para os sujeitos. Além de ser parte do cotidiano dos profissionais do centro de saúde escola onde realizo trabalho de campo, a visita domiciliar desvela um dos potenciais políticos e sociais da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Isso porque se faz necessário um olhar acurado em direção à realidade e ao sofrimento sociais, de modo a compreender que saúde não pode ser vista apenas a partir de pressupostos biológicos, sendo necessário levar a sério os modos como diferenças e desigualdades materializam-se e incidem nos processos de saúde e adoecimento. Levando em conta minha circulação por espaços em que saberes são produzidos e práticas são performadas, questiono-me: há um descolamento entre o conhecimento elaborado sobre os efeitos do racismo para a saúde e as práticas de cuidado cotidianas, uma vez que eles não são objetivamente acionados? Ou trata-se de dar atenção a outras possíveis maneiras de lidar com os efeitos da materialização da raça e do racismo na saúde? Será que há de fato um descolamento ou estou diante de uma forma outra de colocar a teoria na prática (Mol, Moser & Pols 2010)? Trata-se de indagações pertinentes para o campo de minha pesquisa de doutorado em antropologia social e podem revelar que, talvez, não haja necessariamente um descolamento, mas uma forma de apreensão dos saberes baseada no concreto, nos limites para ação, nas práticas cotidianas, na realidade social dos territórios ou mesmo na falta de conhecimento acerca da temática. Ao longo desta comunicação, descreverei algumas visitas domiciliares nas quais raça e racismo materializaram-se e produziram efeitos no cuidado, e quais foram as formas de manejo dos casos. Minha aposta é a de explicitar como um olhar atento às práticas pode contribuir para compreender, primeiro, como raça e racismo produzem efeitos nos processos de saúde e adoecimento a partir de suas ausências e presenças e, segundo, como tais práticas podem nos dar pistas do porquê, em certa medida, eles não são levados em consideração para o cuidado.