O tema da saúde mental vem apresentando relevância exponencial entre adolescentes e jovens. Se pudemos observar um recrudescimento de sofrimentos a partir do isolamento social e seus efeitos nos períodos pandêmico e pós-pandêmico, anteriormente as discussões sobre ansiedade e depressão já se faziam presentes nesses grupos. Esse trabalho surge do acervo de discursos de adolescentes, entre 11 e 16 anos, e de jovens, entre 16 e 23 anos, que participaram de pesquisas ocorridas, respectivamente, entre 2018 e 2022, e 2023. Os sujeitos das pesquisas integram segmentos populares e são moradores de comunidades periféricas da cidade de São Paulo. Sob um ponto de vista sociocultural, pontuo alguns aspectos que compõem esse contexto de sofrimento: (1) há um repertório e uma linguagem de sintomas psicológicos para expressar mal-estar, desconfortos e sofrimentos. A mobilização desses termos corresponde a um universo simbólico comum já consolidado, que passa a integrar a produção de subjetividades e identidades; (2) relações intergeracionais conflituosas na família. A educação autoritária e a falta de preparação/condição dos pais em promover apoio e conhecimento sobre desafios enfrentados quando alcançam a adolescência/juventude traz sofrimentos e sentimento de abandono. Esse aspecto é lastreado por desigualdades sociais que está na origem das violências estruturais, sociais e psicológicas experienciadas cotidianamente pelos pais e pelos filhos, e (3) questões emergentes na transição para a idade adulta, que interseccionam expectativas normativas para cumprir marcos biográficos, insegurança ontológica e a concepção e concretização do projeto de vida. Além da disseminação de noções e classificações psiquiátricas na sociedade contemporânea que desvela novos sentidos do adoecimento mental incorporados na vida cotidiana, devemos observar como esse cenário tece a importância atribuída por adolescentes e jovens à “terapia” e ao “psicólogo”. O valor conferido ao psicológico está intrinsecamente relacionado ao modelo de atendimento prestado por esse profissional: uma “conversa” sobre sua vida marcada pela liberdade de fala, de expressão de sentimentos, sem julgamentos, com observância à preceitos éticos (confidencialidade e sigilo). O “apoio psicológico” é voltado às questões existenciais da adolescência/juventude, com destaque à construção da identidade de gênero e sexual. As narrativas convergem numa carência por “ajuda” para conhecer a si próprio, e lidar com as relações e problemas vivenciados na família e na escola. Tais contextos de vida ou talvez seja melhor dizer, instituições sociais família e escola têm apresentado um crescente descompasso com os repertórios juvenis (imaginário, práticas, identidades).