O trabalho oferece uma reflexão sobre as formas de lidar com experiências musicais coletivas no trabalho antropológico, desde uma perspectiva ecológica da percepção sonora (INGOLD, 2008 e 2015; VEDANA, 2018). O evento musical estudado são as llamadas do candombe afro-uruguaio, realizadas no ambiente da rua por meio de desfiles e caminhadas. A execução musical é produzida pelos tambores tradicionais do Uruguai, denominados “chico”, “piano” e “repique”. Por ser realizada no ambiente da rua, a música dos tambores e a performance dos praticantes estão sujeitas às múltiplas interferências do lugar: a cartografia dos bairros, a circulação de automóveis e transeuntes, a paisagem sonora, as condições climáticas e as formas de sociabilidade local. A manifestação musical e cultural do candombe, considerada a máxima expressão das comunidades negras do Uruguai – as quais se organizam na forma de Comparsas de Negros y Lubolos –, exige, portanto, uma atenção especial às interações que ocorrem entre os sons dos tambores, o ambiente acústico das ruas, esquinas e avenidas e as sensações do público participante. Um conhecimento baseado na inseparabilidade entre corpo, ritmo e ambiente. Nesse tipo de conhecimento, o aprendizado da escuta participativa e atencional torna-se prioridade na pesquisa antropológica, por conta da relevância dos efeitos sonoros propiciados pela grande quantidade de tambores que saem às ruas e que afetam a corporeidade dos participantes, dada a sua dimensão “audiotátil” (CAPORALETTI, 2018). Entretanto, levando em consideração a perspectiva de tamborileiros mais referentes, esse entendimento não obedece à ordem da explicação ou da representação, pois os ritmos e os estilos de toque no candombe não podem ser apreendidos unicamente por critérios racionais e cognitivos ou por meio de uma terminologia conceitual que deriva da teoria musical ocidental. Desse modo, a particularidade desse evento musical de rua pode gerar uma tensão entre sua execução sonora e suas formas de inscrição etnográfica. A resposta a esse problema exige, no mínimo, uma outra maneira de lidar com o conhecimento antropológico, ao exigir de nós uma atenção especial à “dominância sônica” dos eventos sociais coletivos (HENRIQUES, 2011). Nessa abordagem, o som passa a ser apreendido em sua lógica própria e interna, não como narrativa de algo exterior a ele, mas como fenômeno material, ondulatório e vibracional. Algo que é feito para se sentir, e não necessariamente para se compreender. Por fim, o conceito de atmosfera (BÖHME, 1993) passa a ser usado aqui como categoria chave de uma antropologia propriamente “candombera”, capaz de dar conta dos “efeitos de presença” (GUMBRECHT, 2010) dos tambores afro-uruguaios, evitando, assim, que as sonoridades fiquem em segundo plano na prática etnográfica e na análise antropológica.