A compreensão dos jovens moradores de periferias como um “problema social” já foi amplamente desenvolvida no campo dos estudos sobre juventudes, no qual se ressalta que os jovens negros e pobres constituem uma categoria “potencialmente perigosa” segundo o senso comum das grandes cidades brasileiras, e que essa percepção também fundamenta políticas públicas e organizações sociais direcionadas a esses grupos (FERNANDES, 2011; PAIS, 2008; RAMOS,2011; VIANNA, 1997). A partir dessa compreensão, diversas iniciativas conhecidas no Brasil como “projetos sociais” são desenvolvidas em comunidades periféricas, especialmente favelas, com o objetivo de ocupar e educar os jovens locais e, assim, evitar seu envolvimento em organizações criminosas associadas ao tráfico de drogas ( FERNANDES, 2021; NOVAES, 2006; ROCHA,2011). Organizações de caráter governamental e não governamental, religiosas, comunitárias e privadas são compreendidas como “projetos sociais” na medida em que oferecem aulas, cursos ou apenas atividades de ocupação momentânea para crianças e jovens considerados em situação de vulnerabilidade social. Pesquisas sobre o tema indicam que esses projetos buscam proteger os jovens das influências do meio externo e, ao mesmo tempo, proteger outros grupos sociais da presença desses jovens que, como mencionado, são constantemente associados à criminalidade violenta ( FERNANDES 2011; 2021; NOVAES,2006; PICCOLO,2010).
A partir do contexto apresentado acima, a pesquisa “Jovens de Periferia, Projetos Sociais e Identidades”, desenvolvida entre 2016 e 2022 no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes, teve como objetivo compreender o funcionamento dos “projetos sociais” destinados às juventudes periféricas em municípios da região norte do estado do Rio de Janeiro. Buscamos observar como ocorre a participação juvenil nas atividades oferecidas e quais as percepções que jovens e profissionais envolvidos possuem sobre o projeto. Na apresentação proposta aqui, compartilharei os dados e análises da observação feita em um “projeto social” do município de Campos dos Goytacazes, que consiste em uma antiga “vila olímpica” da cidade e oferece aulas de esportes para crianças, jovens e adultos, com o objetivo, segundo seu gestor, de “salvar vidas através do esporte”. Foram realizadas 8 entrevistas com profissionais atuantes na iniciativa, entre professores, gestores e outros funcionários, e 11 entrevistas com jovens participantes, todas realizadas no ano de 2019. Os dados obtidos revelam, de forma resumida, percepções muito diferentes em relação aos objetivos e consequências do envolvimento com o projeto. Enquanto os adultos destacam a função de resgate, orientação e moralização do seu trabalho, os jovens atribuem sua participação a uma tentativa de qualificação profissional e à possibilidade de realizarem atividades de esporte e lazer com seus amigos da comunidade, não fazendo referência ao contexto de vulnerabilidade e criminalidade mencionado pelos profissionais.
A análise das entrevistas será fundamentada em referências brasileiras e argentinas (CHAVES,2010; MILSTEIN,2006) sobre o desenvolvimento de iniciativas de ocupação e gestão da juventude periférica urbana, buscando contribuir com as reflexões mais amplas sobre o lugar social das juventudes latino-americanas.