Desanexar e desafiliar itens etnográficos coloniais: Repatriação digital das coleções amazônicas do Musée d’ethnographie de Genève (MEG) para o Museu Nacional do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), e para comunidades indígenas envolvidas na Amazônia brasileira
A partir do projeto de partilha e restituição das coleções etnográficas do departamento “Américas” do Musée d’ethnographie de Genève (MEG) na Suíça ao Setor de etnologia e etnografia do Museu Nacional do Rio de Janeiro no Brasil (MN/UFRJ), desenvolvido e implementado entre 2020 e 2022, o meu projeto de pesquisa e tese de doutorado propõe em primeiro lugar trazer esses arquivos que já foram restituídos de Genebra no Museu Nacional do Rio de Janeiro, para comunidades indígenas que estão, do ponto de vista da identidade, envolvidas com objetos, artefatos, fotografias, gravações de áudio e outros dados digitais presentes nas coleções.
De fato, a parceria entre Genebra e Rio de Janeiro é um compartilhamento de informações, imagens e gravações de áudio entre duas instituições, entre as coleções etnográficas de duas instituições museológicas. Mas o acordo estipula também a disposição de ambos os museus em colaborar e co-criar, com a inclusão da participação de pessoas, comunidades e povos indígenas, para que a restituição possa ser feita não apenas em termos institucionais de parceria internacional, mas para que a circulação de obras, artefatos, conhecimentos do passado e testemunhos ancestrais, sejam eles orais, intangíveis ou materiais, possam chegar aos descendentes de seus detentores e criadores, em seus lugares de origem. Um dos objetivos é que novas dinâmicas e relações dialógicas entre instituições museológicas e comunidades indígenas possam surgir dessas novas trocas.
Meu trabalho está ancorado nos vários movimentos e estratégias de descolonização de acervos museológicos, que atualmente estão ocorrendo de forma lenta, mais assertiva, estruturalmente e progressivamente, em todo o mundo. Neste caso: de Genebra para o Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro para as aldeias em questão na Amazônia, e talvez da Amazônia para o Rio de Janeiro e Genebra.
O meu projeto de pesquisa e tese de doutorado em antropologia social, portanto, faz parte do movimento de restituição das coleções coloniais suíças no Brasil, com base no caso concreto de uma repatriação digital ocorrida entre duas instituições, mas com o objetivo preciso e adicional de estender esse movimento de repatriação as comunidades e povos envolvidos com os objetos e arquivos das coleções, com vistas a contribuir a descolonizar ambos os acervos de Genebra e do Rio de Janeiro. Minha tese, portanto, documenta trocas e mediações entre pessoas, entidades museológicas, objetos, histórias e agências [agency] que eles contêm intrinsecamente. Por descolonização entendo aqui, em quanto antropóloga, a contribuição para o esforço de reescrever conjuntamente novos regimes de memória e história, de revisar as coleções etnográficas, revendo os pilares de seu modo classificatório e a organização das informações sobre as comunidades indígenas nos arquivos dos museus, baseando-se no conhecimento indígena e dando-lhes voz plena em uma prospetiva horizontal.