Neste trabalho, apresento reflexões éticas e metodológicas suscitadas a partir de uma pesquisa realizada em um serviço socioassistencial chamado República Jovem, localizado na cidade de São Paulo, Brasil. Tal serviço faz parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e visa oferecer proteção, apoio e moradia subsidiada a jovens de 18 a 21 anos “em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia e autossustentação” (Resolução 109/2009, p. 18). Na ocasião em que a pesquisa foi realizada, a equipe da República era composta por duas psicólogas (sendo uma contratada para a função de coordenadora e a outra de técnica) e um assistente social (também contratado como técnico). Tal equipe era responsável por acompanhar cerca de quinze jovens que viviam nas duas unidades do serviço (uma feminina e a outra masculina), todas/os com um histórico de acolhimento em instituições socioassistenciais durante a infância e/ou adolescência. O projeto inicial previa a realização de uma pesquisa etnográfica no serviço, na qual eu acompanharia o cotidiano laboral da equipe por alguns meses, com o objetivo de compreender como elas/ es transformavam a abstrata noção de compromisso social (tão presente em suas profissões) em práticas concretas de intervenção. No entanto, a possibilidade de realizar uma pesquisa etnográfica mais “tradicional” na República foi negada logo no primeiro contato com a equipe, sob a justificativa de que as vidas das/os usuárias/os do serviço já estavam muito expostas. Além disso, argumentaram que a rotatividade de profissionais do SUAS era intensa e eu seria mais um vínculo temporário na vida daquelas/es jovens. A despeito de rejeitarem a proposta inicial, a equipe achava que o objetivo da pesquisa era relevante e queria participar do estudo. Assim, decidimos que a metodologia seria definida coletivamente e que, seguindo as sugestões Annemarie Mol (2002), consideraríamos as/os trabalhadoras/es desse serviço como suas/eus próprias/os etnógrafas/os, como atores capazes de descrever suas próprias práticas, fazer sua própria praxiografia. Isso não significava, entretanto, assumir a neutralidade da pesquisadora, mas considerar o processo de produção de conhecimento como intrinsicamente dialógico. Assim, decidimos que a equipe se reuniria comigo semanalmente para conversar sobre seu trabalho e que essas conversas não seriam gravadas, mas registradas em um diário de campo, a fim de evitar possíveis silenciamentos ou constrangimentos. A efetiva participação dessas(es) profissionais em todo o processo de pesquisa fez com as/os convidasse para ser coautoras/es do artigo e do capítulo de livro que dele resultaram. Assinar os produtos de uma pesquisa juntamente com todas/os aquelas/es que dela participaram é um posicionamento político, que leva às últimas instâncias o caráter participativo do fazer científico. No entanto, tal posicionamento tem uma série de implicações, algumas delas nem sempre desejáveis. Afinal, a coautoria implica a impossibilidade de anonimato, o que torna imprescindível escolher com cuidado o que pode ser publicizado e como isso pode ser feito. Isso implica, entre outras coisas, a necessidade de omitir informações relevantes que podem trazer prejuízos às/aos participantes.