O meu objetivo é discutir os efeitos da rede familiar na vida do imigrante privado de liberdade no Estado de São Paulo em meados do século XX. O meu objeto de pesquisa do mestrado consistia em realizar uma etnografia dos documentos do Instituto de Biotipologia Criminal (IBC). Essa instituição operou entre os anos de 1939 a 1979 dentro de dois dos maiores complexos prisionais da américa latina à época: o Complexo do Carandiru e a Penitenciária do Estado, ambos na cidade de São Paulo. Pessoas privadas de liberdade, sentenciadas e, na maioria, homens passaram no IBC. Cabia a ele “estudar a personalidade do criminoso no seu aspecto biopsíquico e social, procurando classificá-lo”. Seus funcionários eram adeptos da Escola Penal Positivista tendo até uma seção para os estudos de antropologia criminal.
Quando realizei a pesquisa de campo no Museu Penitenciário Paulista, no ano de 2022, pensava que a maioria das pessoas que foram estudadas pelo IBC fossem negras, pobres e brasileiras, pois o biodeterminismo que guiava a instituição se debruçou em demasia sobre o perigo da “cultura negra” em corromper a “nação”. E de fato em mais de 50% das fichas analisadas correspondiam a essas categorias, contudo, um grande número de “estrangeiros” também foi observado.
Legislações da época sobre a expulsão de imigrantes também foram influenciadas por conceitos higienistas e eugenistas, contudo, impediam essa prática se a pessoa tivesse filhos ou cônjuge brasileiros. Portanto, a família não apenas evitava que o “estrangeiro” fosse expulso do país caso cometesse um crime, mas também iria conduzir a sua vida dentro da prisão.
O IBC, como dito, foi uma instituição baseada nos moldes da Escola Positivista, portanto, o caráter biológico do crime era relevante. Assim sendo, a família do sentenciado ocupa muitas páginas nos laudos criminais e psiquiátricos que foram produzidos pelo IBC. A vida de seus filhos é descrita minuciosamente. O ambiente que frequentam, desempenho escolar, doenças e a relação com os pais são analisados de forma meticulosa, pois assim acreditava ser possível encontrar algum traço hereditário da “degenerescência” ou da causa biológica do crime. Os progenitores, irmãos e tios do sentenciado que estavam ou não em seu país natal também eram investigados, mas com ênfase nas doenças ao decorrer da vida, nos vícios em álcool e se já foram presos ou internados em hospitais psiquiátricos.
Portanto, a vida familiar do imigrante privado de liberdade era crucial para o seu tratamento na prisão. Caso fosse encontrado traços “degenerativos” na família, o diagnóstico quase sempre encaminhava para uma doença genética com propensões ao crime. Nesses casos o sentenciado era mantido preso por mais tempo do que o estabelecido em sua sentença. Em outras situações, era facilitada a comutação da pena ou a liberdade condicional.