O trabalho que trazemos para este Seminário vem se realizando em processo colaborativo desde 2019, quando acolhemos uma demanda encaminhada por lideranças do povo Apyãwa à UFJF para colaboração em estudo arquitetônico e antropológico de um projeto de museu na aldeia de Tapi’itãwa. O trabalho colaborativo, que se organizou com equipes de ambas as áreas, contando com a presença do primeiro antropólogo apyãwa desde 2021, co-autor nesta comunicação, vem revelando inúmeros caminhos da musealização. As conversas nas reuniões da equipe com lideranças e professores têm apontado a preocupação com objetos apyãwa presentes em museus etnográficos no Brasil e exterior, e discutido aspectos da construção de acervos e sua gestão no âmbito do Museu Apyãwa.
O contexto de musealização apyãwa envolve também o fato de que os acervos sob gestão do Museu Apyãwa estarão elaborando-se em paralelo a um diálogo já iniciado com a equipe do Setor de Etnologia e Etnografia no âmbito do projeto de reconstrução da coleção etnográfica do Museu Nacional – UFRJ, por meio da ficha temática sobre objetos rituais apyãwa, redigida em 2021. Os Apyãwa manifestaram interesse na parceria criativa entre os dois Museus, tanto em relação a possíveis objetos que poderão compor a nova coleção do Museu Nacional quanto à realização de oficinas de gestão e de formulação de banco de dados para o Museu Apyãwa.
Pretendemos abordar no seminário desafios relacionados à escolha e estruturação de formas de organização e gestão de acervos por parte do povo Apyãwa. Formas capazes de garantir a autonomia apyãwa sobre a gestão das “coisas” e saberes que pretendem reunir em “acervos”; formas que criem relações interessantes entre o povo e outras instituições e acervos/coleções no Brasil e exterior, sempre no sentido da descolonização das museologias. Em 2022, realizamos as primeiras oficinas para escuta das lideranças do povo Kanindé e Tiküna em suas trajetórias na construção de museus. Apostamos nessa metodologia como estratégia para produzir a conversa sobre o Museu nas próprias aldeias apyãwa, envolvendo lideranças, professoras, professores, estudantes, jovens em formação audiovisual, anciãs e anciãos engajados na prática da pesquisa e do fortalecimento da língua, da escola e da cultura – conquistas importantes dos Apyãwa nas últimas décadas. Interessa-nos ampliar o diálogo com novos contextos indígenas, instituições e estratégias museológicas.
No momento em que o povo Apyãwa acaba de aprovar um projeto arquitetônico para levantar seu museu dentro do território de Urubu Branco, intensificam-se as conversas sobre as potencialidades dessa nova presença, que se colocará em relação com as festas, os cantos, os visitantes, com a takãra (casa cerimonial com papel crucial no ritual), a escola, os objetos arqueológicos que vêm sendo encontrados na TI e outras materialidades e espíritos que animam o território. O museu, como observou Paroo’i, liderança na aldeia Myryxitãwa, é um “sonho antigo do povo Apyãwa” que entendemos já vem ativando relações dentro e fora do território. Nosso intuito é buscar formas colaborativas na feitura do museu que sejam produtoras de vida, fortalecedoras da cultura, protegendo ao mesmo tempo o território tradicional apyãwa.