O presente trabalho versa sobre os afastamentos e conexões entre Tramandaí e Imbé, cidades vizinhas do Litoral Norte do Rio Grande do Sul separadas pelo Rio Tramandaí, que ali tem sua foz junto ao Oceano Atlântico. Pensando as águas urbanas em cidades de grande crescimento populacional, enquadramos paisagens que conjugam grande beleza cênica e precariedade ambiental, nos debruçando sobre suas pontes: há grande movimentação em torno da precariedade estrutural da ponte Giuseppe Garibaldi, atualmente o único canal de ligação entre as cidades; enfatiza-se os problemas viários e os amplos engarrafamentos na ponte e em seus arredores, sobretudo durante o período do verão, em que a população presente nos municípios chega a quadruplicar; rememora-se as antigas pontes que já ligaram as duas margens do rio – sobretudo a Ponte da Sardinha, ponte de pedestres intensamente ocupada para a pesca de sardinhas com caniço, marco na memória coletiva local e que foi demolida há cerca de três décadas; ao mesmo tempo, emerge o processo de projeção de uma nova ponte em substituição à atual e debate-se intensamente sobre seus inevitáveis impactos ambientais. Um dos projetos apresentados e defendido por autoridades locais indica uma nova ponte a ser construída exatamente onde se desenrolam os ritos de interação entre pescadores artesanais e botos (botos-de-Lahille, Tursiops gephyreus, espécie altamente ameaçada de extinção) na captura de tainhas, na chamada pesca artesanal cooperativa. Neste contexto, grupos de moradores, lideranças políticas e entidades da sociedade civil mobilizam-se contra o projeto da nova ponte. A pesca cooperativa entre humanos e botos está em processo de reconhecimento como Patrimônio Imaterial junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, consolidação de uma estratégia política de busca de garantia de condições de sua perpetuação, inclusive no que diz respeito à necessária preservação ambiental. A partir da proposta de uma Etnografia da Duração (Eckert e Rocha), debatendo transformações urbanas, cotidiano e memória coletiva, remontamos às antigas pontes que ligaram as cidades e levantamos depoimentos de moradores e veranistas sobre os usos e apropriações destes equipamentos urbanos, palcos de intensas sociabilidades atreladas à pesca e importantes marcas nas paisagens urbanas – pensadas aqui como construtos em contínuo devir a partir de colaborações interespecíficas, programas estéticos e histórias de práticas, tal qual propõe Anna Tsing. Abordando as cidades em seu processo de transformação no tempo e nas projeções em direção a futuros almejados, há que se ter em conta as relações de poder envolvidas, em termos da capacidade que detêm os distintos grupos locais de fazer valer seus interesses e efetivar seus projetos. Partindo do pressuposto que a investigação sobre as paisagens significativas é um excelente mote para a compreensão dos processos de transformação cultural, social e ambiental, das dinâmicas territoriais e identidades envolvidas, refletimos sobre as perspectivas quanto à(s) ponte(s) e seu processo no tempo, em que ganham em importância as disputas em torno da projeção de futuros almejados na conexão entre as cidades.