Ponencia

Perspectivas a respeito de autonomia e (in)formalidade: o fenômeno da plataformização do trabalho sexual no Brasil

Parte del Simposio:

SP.38: Antropologías Latinoamericanas del trabajo: pendientes, agenda de trabajo y desafíos

Ponentes

Cristiane de Melo

Universidade Federal de São Carlos

No Brasil, o trabalho sexual tem sido historicamente caracterizado por sua natureza precária e informal. Ainda, é perceptível que na literatura sobre trabalho o trabalho sexual não é mobilizado enquanto categoria uma categoria, o que é demonstrado pela concentração desse tópico nos estudos sobre mulheres, gênero e sexualidade (Piscitelli, 2005, 2016; Blanchette & Silva, 2018).
Embora o trabalho sexual não seja criminalizado no Brasil, sanções legais são impostas a terceiros que obtenham benefícios ou o facilitem. No início dos anos 2000, após deliberações sobre a atualização da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), reivindicações de movimentos sociais que têm defendido os direitos das trabalhadoras do sexo desde a década de 1980 foram incorporadas. Consequentemente, isso levou ao reconhecimento oficial do trabalho sexual como uma ocupação legítima no ano de 2002 (Rodrigues, 2009).
Ainda que esse reconhecimento desempenhe um papel simbólico significativo, a CBO apenas classifica e categoriza as ocupações. Com isso, não há um mecanismo para regular e estabelecer políticas eficazes para esse grupo específico de trabalhadores.
Atualmente, a ascensão das plataformas digitais como intermediárias em vários setores da indústria do sexo chama a atenção para diversas formas de agenciamentos, articulações, estratégias e configurações sociais, enfatizando o impacto significativo que a tecnologia tem na reestruturação, modificação e aprimoramento de sistemas tradicionais (Baars, 2011). Como resultado, essa convergência de fatores leva à remodelação de um componente essencial da dinâmica que governa o fenômeno da plataformização (Van Dijck, Poell e de Wall, 2018).
A utilização de plataformas digitais foi identificada por ativistas e trabalhadoras como um elemento que possibilitou maior visibilidade e para as profissionais do sexo (Prada, 2018; Jones, 2021). Por outro lado, na literatura, um ponto de vista amplamente aceito é que as plataformas desempenham um papel ativo na exacerbação da informalidade inerente às relações de trabalho, o que leva ao endosso de ambientes de trabalho precarizados e perigosos (Lima & Oliveira, 2017; Abilio, Amorim, Grohmann, 2021).
Nessa proposta busco elucidar que no trabalho sexual sempre houve uma convergência entre informalidade do trabalho e os ideais de autonomia e empreendedorismo de si (Dardot & Laval, 2016). Além disso, a noção de autonomia desempenha historicamente um papel fundamental nos avanços teóricos e políticos relativos à agência corporal e sexual das mulheres, sendo a autonomia econômica um elemento crucial para essa emancipação. No caso da plataformização do trabalho, (co)existem discussões significativas sobre a apropriação progressista desse termo por um lado, e uma conotação individualista que se alinha à ideologia do sujeito neoliberal de outro. Essa dinâmica introduz uma especificidade para esse mercado, onde diferentes perspectivas e conceituações são caracterizadas por processos ambíguos. Deste modo, proponho problematizar essas ambiguidades que constituem o capitalismo contemporâneo, por meio de uma reflexão sobre a noção de autonomia e informalidade, e como as trabalhadoras sexuais a constroem na interseção entre tecnologias, sexualidade e trabalho. Isso implica reconhecer a importância de práticas e dinâmicas subjetivas como mediadoras entre o indivíduo e a sociedade, o que revela contextos imaginativos e considerações múltiplas.