O presente texto se propõe a servir como um relato etnográfico sobre os locais em que a família de meus interlocutores na minha pesquisa de doutorado frequenta, fora do âmbito doméstico, para fazer refeições. Realizo uma etnografia numa comunidade do Complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, onde acompanho um casal que vende espetinhos de churrasco numa das praças da comunidade. Busco, inicialmente, descrever meus interlocutores e as relações estabelecidas entre amigos, parentes e vizinhos, no que denomino por “configuração de casas”, utilizando um termo inicialmente proposto por Louis Marcelin (1999). Em seguida, viso apresentar os estabelecimentos frequentados por essas pessoas nos momentos de refeições feitas fora da casa, compondo o que podemos chamar de circuitos comerciais da comida naquele território. Ao abordar os diferentes momentos e contextos em que cada local é buscado, busco analisar de que forma são produzidas as relações pessoais e como esses locais ajudam a explicá-las, ao mesmo tempo em que elas também os produzem, ao atribui-los de diferentes significados e sentidos. As conclusões preliminares apontam, primeiramente, para uma relativa excepcionalidade criada em torno das refeições feitas fora da casa, seja por questões culturais, evocando elementos associados à casa, como o tempero utilizado na comida ou a possibilidade de reunir os amigos e parentes, ou mesmo financeiras, como na impossibilidade de custear refeições em restaurantes com maior frequência. Também é possível apontar para uma recorrência dos mesmos pratos pedidos nessas ocasiões, pois remetem à comida feita em casa, vendida no churrasquinho e àquela consumida durante a juventude no Ceará, no caso de meus interlocutores. Ainda, é possível abordar como as bebidas alcóolicas apresentam um componente generificado com bastante nitidez. Enquanto a cerveja, embora consumida em maior frequência e quantidade pelos homens, também toma parte entre as mulheres com relativa recorrência, as bebidas destiladas parecem estar mais associadas ao universo masculino. Por fim, noto que, junto dos estabelecimentos buscados pelos meus interlocutores, o próprio churrasquinho por eles gerenciado surge como um local de socialização privilegiado, de compartilhamento de bebidas, comidas e histórias. É onde se checa se todos estão bem em suas casas, onde se trocam experiências e frustrações de trabalho, vivências do dia a dia na Maré e memórias sobre a infância e a juventude, onde são combinados próximos encontros e eventos. A comida marca, assim, o passado, o presente e o futuro desses sujeitos.