As narrativas encontradas em uma gama de estudos antropológicos, literários, historiográficos e urbanísticos sobre a cidade do Rio de Janeiro, Brasil, apontam para ambivalentes processos de transformações em suas paisagens urbanas, sobretudo a partir do século XX. Alicerçada em complexas dinâmicas sanitaristas e excludentes, a cidade passou por um caleidoscópio de significativas e arbitrárias reconfigurações e reformas urbanas que deslocaram os sentidos atribuídos ao seu cotidiano e a própria ideia de vida urbana que nele se escreve.
Desse modo, este trabalho tem por objetivo aprofundar o olhar sobre o centro do Rio de Janeiro pelo recorte de suas transformações atuais por meio da análise do recente anunciado “plano de recuperação urbanístico, cultural, social e econômico da região central”, Reviver Centro. O projeto foi lançado e apresentado à população em julho de 2021 em cerimônia oficial em um centro cultural na Lapa, tradicional bairro central do Rio, contando com a presença do então prefeito Eduardo Paes e outras autoridades políticas e empresários locais.
A imprensa local noticiou com entusiasmo e alarmismo as melhorias que estariam a caminho com o plano de recuperação de uma área marcada por problemas urbanos históricos, como violência e insegurança, abandono e degradação do patrimônio, além do recente esvaziamento desencadeado pela pandemia de Covid-19. Segundo as reportagens da época, as estratégias destinadas aos novos investimentos dariam nova vida ao centro e entregaria benefícios para a região e a população carioca, “resgatando a [assim chamada] verdadeira alma da cidade”.
O plano visiona, por meio de isenção tributária e incentivos fiscais, o “renascimento” do centro estimulando a especulação imobiliária e mirando enfaticamente o turismo, a mobilidade urbana, a criação de novas área verdes e, conforme apresentado, “a ativação do espaço público através da arte”. Dentre os objetivos do projeto, destaca-se a revitalização de áreas que compõem o centro do Rio de Janeiro, que seriam transformadas em “espaços mais seguros”, acessíveis e atrativos para moradores, comerciantes e a circulação de turistas.
Por essa direção, este trabalho apresenta e busca refletir sobre um plano que se anuncia baseado em um discurso alicerçado na promoção de uma concepção de “cidade sustentável”, onde exalta-se a melhoria da qualidade de vida, a recuperação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural. Assim, como visto, as narrativas direcionam um projeto que visiona novos investidores e moradores com destino ao centro da cidade, local que concentraria trabalho, comércio, habitação e lazer. Brotam, com isso, expectativas de um renascer mirando a projeção de um potencial movimentado mix cultural a partir da implementação do Reviver Centro, aquecendo o mercado imobiliário, o turismo e as marcas das desigualdades que compõem o espaço aqui investigado.