Ponencia

“O olho que a Michele Bolsonaro colocou no bolso”: reflexões sobre deficiência visual e suas estratégias políticas de reconhecimento

Parte del Simposio:

SP.51: Actores y procesos políticos en los escenarios locales de América Latina

Ponentes

Ceres karam Brum

UFSM

No dia 16 de julho de 2023 a imprensa brasileira divulgou um vídeo extremamente chocante, cujas protagonistas são Michele Bolsonaro (ex primeira dama do Brasil) e atual presidente do Partido Liberal (PL) e a Deputada Federal Amália Barros, então vice-presidente do mesmo partido.
Michele se dirige a uma plateia na convenção do partido e menciona as “mulheres que fazem acontecer”. Logo a seguir chama a deputada Amália Barros para se manifestar e solicita a deputada que retire a sua prótese ocular, enfatizando que a adora ver sem a prótese. A deputada o faz sem grandes constrangimentos, mas a seguir se diz incomodada, pois “apesar de não ser a primeira vez que isto acontece” ainda não se acostumou ao pedido de Michele para retirar a prótese. Michele com naturalidade recebe “o olho de Amália” e o coloca no bolso da sua calça. A cena de Amália sem a prótese encerra o vídeo. O duplo efeito é impactante. O olho colocado no bolso de Michele e o rosto de Amália sem olho.
Alguns dias depois a deputada Amália Barros lança um vídeo como resposta ao impacto provocado pela atitude de Michele Bolsonaro. No referido vídeo, ela está sem sua prótese ocular e se refere a Michele como uma amiga íntima e a quem o Brasil deve o reconhecimento da visão monocular como deficiência, em razão da promulgação de legislação específica em março de 2021.
Tais vídeos produziram em mim um duplo estranhamento: a crueza do tratamento a deficiência no Brasil e sua espetacularização. Entendi que os vídeos estavam conectados e que tinham objetivos específicos: a temática do reconhecimento da visão monocular como deficiência no Brasil e da visibilização do protagonismo de Michele Bolsonaro e da própria Amália de Barros.
Neste trabalho desejo refletir sobre deficiência visual no Brasil, entre 20219 e 2023. O recorte temporal coincide com a polêmica suscitada pelo Projeto de Lei 1615/2019 a respeito do reconhecimento da visão monocular como deficiência visual e a promulgação da Lei nº 14.126 e do Decreto nº 10.654, de 22 de março de 2021 que a instituem como tal. A elaboração da investigação e da escrita deste texto, dialogam com a autoetnografia como método e narrativa. A autora é deficiente visual com nistagmo e visão monocular e pretende explorar, ao longo do artigo, o embate entre as políticas públicas cristalizadas na legislação e na perícia biopsicossocial e as subjetividades envolvidas nos processos de reconhecimento e de aceitação da deficiência, bem como estigmas que encerra. A utilização dos polêmicos vídeos de Michele Bolsonaro e Amália Barros têm por objetivo assinalar um ciclo populista e demagógico no tocante à deficiência no Brasil e o impacto da recepção do vídeo em suas subjetividades. Objetiva igualmente inserir a autobiografia de Amália Barros – o livro Se enxerga – como contraponto para analisar o cenário do reconhecimento da visão monocular como deficiência visual no Brasil.