Durante a Operação Escudo, conduzida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo entre os meses de agosto e outubro de 2023 nas cidades de Santos e Guarujá, na região da Baixada Santista do estado de São Paulo, Brasil, um policial afirmou: “ninguém no morro pode ter câmera de monitoramento!”. A partir desta assertiva, o presente trabalho busca compreender qual é o Estado que não pode ser visto, e dentro de quais contextos.
Ao mesmo tempo, analisando estratégias de visibilização deste Estado postas em prática por movimentos de enfrentamento a violências estatais, como o Movimento Mães de Maio, reflito sobre o processo de construção de diferentes regimes de visibilidade em torno do Estado no contexto de massacres promovidos por agentes de segurança. Técnicas de exibição e de ocultação do Estado são evocadas por diferentes atores envolvidos nestes processos, de modo a produzir narrativas públicas e formas de reconhecimento antagônicas, calcadas em noções como violência, violação, racismo, crime, punição e defesa.
Desenvolvendo reflexões esboçadas em minha dissertação de mestrado e continuadas na pesquisa de doutorado em curso no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, utilizo como metodologias a etnografia e a comparação para formular este debate teórico a partir de dois eventos críticos específicos: os Crimes de Maio de 2006 e a Operação Escudo de 2023. Assim, por meio da análise da atuação do Estado em um massacre operacional e em um massacre oficioso, identifico quais são as formas em que tanto agentes estatais quanto movimentos sociais se utilizam para a formulação de uma imagem do Estado, e que imagens são estas produzidas por tais sujeitos narrativos.
A tese defendida nesta pesquisa é a de que certas práticas cometidas por agentes estatais no interior de comunidades periféricas são ocultadas por seus autores, que exibem publicamente outras práticas muitas vezes fictícias, mas tornadas verdades jurídicas a partir da sua inscrição em Boletins de Ocorrência. Este Estado que não pode ser visto é descortinado por mães, familiares, amigos e vizinhos de vítimas de violência de Estado, que denunciam as práticas reais e ocultadas de violência cometida por agentes estatais e as práticas fictícias e exibidas destes agentes. Tais agentes, por sua vez, buscam enquadrar à posteriori práticas ilegais de tortura e execução em condutas legalmente previstas de atuação violenta, como ocorre com os chamados “autos de resistência”.