A partir da intensificação dos processos de extração e exportação de commodities, amplia-se uma série de conflitos ambientais e desastres que evoca novas formas de relações sociais entre agentes variados como empresas, povos tradicionais e Estado. Os efeitos mais evidentes podem ser exemplificados nos conflitos envolvendo mineração e populações locais, desde os momentos iniciais da concepção do projeto até àqueles mais extremos como o colapso das estruturas de armazenamento de rejeitos, como acontecido em Mariana, em 2015 e Brumadinho, em 2019, ambas no estado de Minas Gerais, Brasil. A questão principal que motiva uma reflexão profícua é que tanto os conflitos ambientais como os desastres têm sido administrado por “ferramentas, dispositivos e práticas de gestão” (REVET e LANGUMIER, 2015, p. 3), impostas pela consorciação Estado-corporações para o tratamento dos danos sociais e ambientais.
Neste sentido, o objetivo dessa comunicação é efetuar uma comparação entre diferentes formas de gestão perpetradas no mesmo caso de desastre, ocorrido em duas comunidades rurais vizinhas localizadas na intersecção de dois municípios de Minas Gerais (Campinas, em Mariana; e Barreto, em Barra Longa), ambos severamente afetados pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, uma joint venture das empresas Vale S.A. e BHP Billiton Brasil.
Conforme os limites administrativos e jurídicos formalmente estabelecidos, os municípios de Barra Longa e de Mariana estão submetidos a processos distintos de reparação dos danos. O primeiro é conduzido na Justiça Federal e o segundo submetido à Justiça Estadual, na própria Comarca de Mariana.
A despeito da contiguidade territorial e das dinâmicas sociais cotidianas que enredam as famílias de ambas as comunidades, o tratamento diferenciado que se aplica a esses municípios e consequentemente a essas comunidades ocorre por uma decisão política, elaborada institucionalmente por um acordo entre Estado e corporações, sem a participação dos atingidos.
Com base na governamentalidade e em seus dispositivos de poder e a partir da leitura de documentos e da etnografia das formas de intervenção social perpetuadas pelas diferentes práticas administrativas do Estado (SOUZA LIMA, 2002), pretendo analisar a racionalidade política e as formas de controle contidas nas estratégias extrajudiciais de resolução dos conflitos promovidas pelas tecnologias de governo (FOUCAULT, 2006), como as Alternative Dispute Resolution (ADR), adotadas nesse caso. Com ênfase na prevenção das disputas e na construção de acordos “harmônicos” entre partes litigantes, o desastre da Samarco segue administrativamente transacionado por intermédio de um arcabouço tecnológico e institucionalizado, que combina mecanismos disciplinares e regulatórios, criado com o objetivo único de gerir tanto a crise estabelecida a partir do colapso da barragem quanto a crítica relacionada às formas de tratamento dadas ao desastre.