Este ensaio tem como enfoque o processo de produção de software na sociedade capitalista atual. A partir de um olhar advindo da América Latina, exploramos diferentes facetas deste fenômeno que mesmo sendo global, apresenta particularidades locais quando notamos que contingentes de jovens trabalhadores latino-americanos passam a trabalhar, de forma remota em frente a seus computadores, para capitais de países centrais – em especial os Estados Unidos. Tomando o software enquanto mercadoria central da indústria da tecnologia, observamos como os trabalhadores do desenvolvimento de sistemas inserem-se no processo de produção da indústria tecnológica e como são compreendidos enquanto uma mão de obra altamente especializada e, no momento, ainda escassa – algo que atualmente implica em salários acima da média de outras profissões. De modo geral, buscamos compreender como se constitui e como se dão os processos de trabalho da indústria que hoje produz as novas tecnologias digitais capazes de modificar o mundo do trabalho como um todo. Ou seja, quem são e como trabalham aqueles que algoritmicamente constroem as novas plataformas de trabalho?
Para desenvolver esta temática, inicialmente, realizamos uma breve análise dos condicionantes histórico-sociais que permitiram a emergência e a consolidação da mecadoria-software no mercado mundial capitalista. Em seguida, nos debruçamos sobre a forma assalariada do desenvolvimento de sistemas: quem emprega os trabalhadores de software, de onde e como os emprega? Que relações de trabalho se produzem entre o Norte e o Sul Global na indústria do software? Finalmente, elaboramos sobre as formas que o trabalho concreto assume: como se dão as rotinas de trabalho dos desenvolvedores de sistemas? Que ferramentas utilizam e como organizam as suas rotinas de trabalho?
Metodologicamente, nos apoiamos em quatro abordagens, sendo estas: a) Pesquisa histórico-bibliográfica sobre a história do desenvolvimento da produção de software até chegar à forma como a indústria da tecnologia se organiza hoje; b) análise desta indústria com base nas categorias d’O Capital de Karl Marx; c) Observação etnográfica do polo de tecnologia de Florianópolis, Brasil, durante os anos de 2021 a 2023;e d) Realização de entrevistas com desenvolvedores de sistemas que moram ou atuam em empresas de tecnologia da cidade mencionada.
Através de uma perspectiva antropológica e marxista buscamos uma melhor compreensão deste setor de vanguarda tecnológica e das contradições do “novo” chão de fábrica pós-fordista – também tratado academicamente como modelo toyotista ou de acumulação flexível – que produz um enorme volume de mercadorias-software. Mercadorias estas que, por sua vez, invadem crescentemente a vida cotidiana da população e transformam demais setores do mundo do trabalho.