De acordo com a perspectiva biomédica, o câncer refere-se ao conjunto de mais de cem doenças distintas que têm em comum a multiplicação desordenada de células anormais, que tendem a ser muito agressivas, resultando na formação de tumores que podem acometer outros tecidos ou órgãos. O câncer de mama se destaca como o tipo de maior incidência e mortalidade entre as mulheres no mundo, com os chamados “países desenvolvidos” expressando as maiores taxas de ocorrência da doença – embora uma série de variações regionais se façam presentes. No Brasil, as estimativas do Ministério da Saúde para o ano de 2023 indicaram 73.610 novos casos de câncer de mama entre as mulheres, o que corresponde a 30,1% dentre as neoplasias que as afetam. Em relação às taxas de mortalidade, as estimativas para o ano de 2021 foram de 18.139 óbitos, equivalendo a 16,4% dos casos. Ainda conforme a biomedicina, o câncer de mama não possui uma causa, mas sim “fatores de risco” que podem contribuir para sua origem, como fatores comportamentais/ambientais, reprodutivos/hormonais e hereditários/genéticos. Nas últimas décadas, particularmente as dimensões comportamentais e reprodutivas das mulheres têm sido ressaltadas pelas políticas de promoção à saúde como fundamentais no processo de prevenção à doença. Somando-se a isso, as ações de autocuidado – como idas regulares ao consultório médico, realização de exames e sobretudo o autoexame das mamas feito pelas próprias mulheres – representam outras formas de prevenção ao câncer incentivadas pelo Estado brasileiro. Contudo, ao focalizarem a agência das mulheres no processo preventivo, tais políticas e campanhas acabam por atribuir quase exclusivamente a elas a responsabilidade/culpa pelo reconhecimento precoce/tardio da doença que se desenvolve em seu corpo. Nessa perspectiva, tendem a ser desconsideradas uma série de desigualdades econômicas, políticas e sociais que influenciam, por exemplo, o acesso regular e de qualidade das mulheres ao sistema de saúde. Através de mecanismos governamentais/institucionais, algumas dessas políticas contribuem para a reprodução de contextos de vulnerabilização e sofrimento social. Nesse sentido, as desigualdades de gênero são evidenciadas a partir do adoecer por câncer de mama, especialmente quando nos atentamos como as políticas de saúde informam sobre os riscos da doença em suas campanhas, considerando como “mulheres” aqueles sujeitos que são assim reconhecidos segundo características biológicas. Logo, as “mulheres” público-alvo do sistema oficial de saúde tendem a ser aquelas que possuem o “sistema reprodutivo feminino” – composto por útero, tubas uterinas, ovários, vagina e vulva. Em outras palavras, mulheres cisgêneras, conformando um apagamento das identidades transgêneras. Sendo assim, a proposta deste trabalho é apreender e analisar as políticas públicas de saúde no Brasil dedicadas à prevenção, diagnóstico e ao cuidado diante da experiência do câncer de mama vivenciada pelas mulheres. Para tanto, tomo como norte para esta reflexão teórico-analítica a campanha internacional de conscientização denominada “Outubro Rosa” para a partir dela explorar como se desenvolveu no cenário brasileiro a institucionalização de uma série de atividades direcionadas à conscientização acerca da doença, sobretudo a partir da promulgação da Lei nº 13.733, de 16 de novembro de 2018.