Esta pesquisa trata da trajetória e da memória de George William Butler (1853-1919),
médico e missionário protestante que viveu no Nordeste do Brasil em fins do século XIX e
início do XX, período de transformações como a crise da influência da Igreja Católica, crise da
Monarquia e a implantação do regime republicano. Privilegia-se o biográfico como meio de
interpretação da realidade social e histórica, cujo objetivo foi compreender como um indivíduo,
agente de uma religião minoritária, vivenciou as transformações macrossociais da secularização
da sociedade, percebendo o seu papel neste processo que desembocou na separação Igreja e
Estado e na legitimação da pluralidade religiosa, bem como a importância dos protestantes no
processo de reconfiguração do espaço público. Por se tratar de uma trajetória permeada por uma
memória institucional, empreende-se um estudo sobre a memória deste personagem,
procurando compreender suas lógicas, coerções e esquecimentos; os processos de construção,
reconstrução, disputas e reprodução da memória de George Butler, com diferentes usos em
projetos de intervenção no espaço público por grupos protestantes política e ideologicamente
diferentes. Utiliza-se diversos tipos de fontes: os relatórios de George Butler, de sua esposa,
Rena Butler, e de seus aliados; os jornais das cidades de São Luís, Recife, Garanhuns e
Canhotinho, além de jornais eclesiásticos, atas de reuniões eclesiásticas e as biografias sobre
George Butler; imagens e fotografias divulgadas pelos missionários, especialmente as
divulgadas pelo casal Butler; fontes da cultura material como o mausoléu edificado em
homenagem a George Butler e a arquitetura das igrejas presbiterianas em São Luís, Recife e
Canhotinho construídas por ele; fontes orais por meio de entrevistas com os primeiros biógrafos
de George Butler, com fiéis das igrejas e moradores das cidades de Garanhuns e Canhotinho.
Reconhece-se novas facetas desse personagem (o polemista, o filantropo, o arquiteto), que
complexificam as imagens consagradas pela memória oficial, assim como realocam o papel da
esposa como um sustentáculo financeiro da sua missão pela exportação de orquídeas.
Compreende-se que a vida de George Butler foi reelaborada na escrita dos biógrafos, de forma
a adequar-se aos interesses institucionais de reforço e divulgação de valores e práticas
vinculadas a ortodoxias doutrinárias conservadoras. Evidencia-se assim um perfil de agente
eclesiástico gerado pelo anseio de auto-identificação dos atuais dirigentes institucionais com
seus heróis do passado e de oferecer às futuras gerações um exemplo a ser seguido.