O presente trabalho debruça-se sobre processo jurídico, tendo como objeto de reflexão a recepção (ou não) dos argumentos antropológicos, os quais corroboram para a garantia dos direitos dos povos indígenas, sobretudo em relação à regularização (e efetivação) fundiária. Trata-se da continuidade de uma pesquisa intitulada Diálogo entre a Antropologia e o Direito através da análise de processos judiciais envolvendo povos indígenas no Brasil e que foi apresentada pelas autoras em vários congressos, como o IX Congresso da Rede Latinoamericana de Antropologia Jurídica. A ideia surgiu a partir das inquietações percebidas pelas autoras: durante discussões em curso sobre laudos antropológicos; na alegação de suspeição do nome de uma das autoras para atuar como perita numa ação judicial, envolvendo o processo de regularização do território dos índios Xukuru, sob a argumentação de que a antropóloga mantinha uma relação “quase umbilical” com o grupo indígena, «comprovado» pela dedicatória que fez aos Xukuru, quando da publicação de sua dissertação de mestrado. Atualmente, com o julgamento do marco temporal das terras indígenas com base na Constituição Federal de 1988, pelo Supremo Tribunal Federal e com a retomada do julgamento da ação que ameaça terra indígena do povo Xukuru, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, cujo objeto é a reintegração de posse da aldeia Caípe, localizada no município de Pesqueira-PE, e que tem a Constituição de 1934 como referência, as autoras se viram impelidas a dar prosseguimento ao trabalho, a fim de poder contribuir, de alguma forma, com uma análise científica sobre uma questão caríssima para a antropologia e para a efetivação dos direitos sociais, notadamente, a proteção dos povos originários. Assim, o presente trabalho tem como objetivo detectar a ressonância da argumentação antropológica nos julgamentos judiciais, buscando identificar como o argumento antropológico é desconsiderado para afastar a defesa dos direitos dos povos indígenas e como o tecnicismo jurídico é ativado para “justificar” decisões antidemocráticas, problematizando o campo de poder discursivo entre o Direito e a Antropologia, propiciando uma reflexão sobre os princípios da ética que regem, de forma distinta, os dois campos de conhecimento e de atuação profissional. Esse novo momento da pesquisa se debruçará, especificamente, sobre o julgamento da ação de reintegração de posse da aldeia Caípe, por latifundiário, em ofensa ao julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que sentenciou o Estado brasileiro à garantia de proteção das terras do povo Xukuru. Os casos analisados na parte anterior da pesquisa permitem afirmar que, apesar dos avanços nas discussões sobre a flexibilização do saber jurídico, na crítica ao monismo e as várias facetas que indicam a possibilidade de um pluralismo jurídico, predomina, de forma bastante acentuada, o viés legalista-tecnicista nas decisões judiciais e a permanência do monopólio jurídico nas definições do que é direito.