A imposição de nomes é um importante elemento para a compreensão de coletivos indígenas de um modo geral, pois estes nomes são considerados a própria pessoa humana (e suas composições com outros seres extra-humanos do cosmos) e não uma designação de indivíduo (e de seus pertencimentos a grupos humanos), como costuma acontecer no ocidente eurorreferenciado. Entre os Jê, e particularmente entre os Kanhgág, constitui-se em um complexo sistema de relações entre humanos (parentes consanguíneos, afins, nominadores, por exemplo) e extra-humanos (todos os seres do cosmos). O ritual de nominação acontece com um banho de ervas, que segundo um interlocutor propicia ao kofá (ancião) ou ao kujá (xamã) o correto conhecimento do nome a ser imposto.
Sendo assim, uma aproximação mais aprofundada para a compreensão da onomástica kanhgág é necessária para o entendimento da própria pessoa, de seu corpo e de suas múltiplas e complexas relações e conexões com os seres presentes em seus territórios.
Nesta comunicação, tomo a nominação dos humanos kanhgág como uma imagem verbal que conecta pessoas humanas a outras pessoas extra-humanas (deuses, animais, vegetais, minerais…), incorporando aos humanos as potências, habilidades, qualidades, conhecimentos e propriedades destes extra-humanos. Com a nominação, estes seres do cosmos incorporam-se naqueles kanhgág que recebem o seu nome, sendo este último uma imagem verbal poderosa que materializa o encontro, a relação, presentificando este ser extra-humano. O nome é a objetificação deste encontro e a presentificação deste ser.
Neste contexto sócio-cosmo-ontológico particular, entendo a pessoa kanhgág como “parte de um nexo de relações” (Strathern, 2014, p. 501) em um cosmos intensamente relacional, instável e transformativo. E seu nome, enquanto artefato e imagem verbal, que materializa um encontro, uma relação com uma pessoa extra-humana, que a presentifica e de quem é(são) incorporada(s) potências, habilidades, conhecimentos.
De um modo geral, portanto, parece estarmos diante de uma sócio-cosmo-ontologia cuja onomástica aponta para estes nomes enquanto imagens e artefatos verbais, que presentificam estes seres e suas propriedades agentivas sobre o corpo e a pessoa dos nominados. Uma imagem verbal que presentifica poderes, forças, potências, transformando corpos e pessoas kanhgág ao longo do tempo.
STRATHERN, Ann Marilyn. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo, Cosac Naify, 2014.