Este trabalho em desenvolvimento em minha pesquisa de mestrado busca levantar um debate a respeito da classificação “caçadores-coletores” encontrada de maneira recorrente na literatura antropológica sobre o grupo indígena Kaingang. Os Kaingang são um grupo indígena brasileiro que pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê, família linguística Jê, presentes na porção continental do meridiano sul do Brasil, especialmente nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em tempos idos, habitam também a província de Missiones, na Argentina. De acordo com estudos da arqueologia e da linguística (Noelli, 1996) os ancestrais Kaingang – e os Xokleng, outro grupo indígena do mesmo tronco e família linguística – se deslocaram da região do Brasil Central em direção ao sul do Brasil há cerca de 3 mil anos AP. O contato com os não-indígenas é relatado desde o século XVIII, sendo ampliado em meados do século XIX por conta da expansão da sociedade nacional. Na literatura histórica encontramos diferentes denominações do grupo ao longo do contato: Gualachos, Chiquis, Guaianás e Coroados (Mota, 2004), entre outros. Apesar de registros e evidências de técnicas envolvendo o plantio e o manejo de espécies, como a Araucária (Robinson, M., De Souza, J.G., Maezumi, S.Y. et al, 2018) e o milho (Noelli, 1996), além da incorporação de plantas domesticadas em seu sistema cosmológico de saúde-doença o grupo continua a ser descrito pelos antropólogos como “caçadores-coletores”. Na arqueologia, entretanto, há estudos apontando a longevidade de práticas de cultivo entre os Kaingang (Noelli, 1996). Apesar disso, técnicas de plantio e manejo de espécies que podem ser avaliadas como agricultura foram chamadas de rudimentares por alguns estudiosos dos Kaingang. Nossa hipótese é que a agricultura, essa categoria ocidental, não comporta as técnicas utilizadas pelo grupo. O título que dá nome a este trabalho “Não vivemos mais de caça e pesca, nós também temos agricultura” faz referência a uma fala feita por uma liderança Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha, localizado na cidade de Tamarana, no estado do Paraná, deixando evidente a reivindicação de que “também possuem agricultura”. Portanto, este trabalho propõe discutir a necessidade de retomar o debate sobre as classificações utilizadas pela antropologia, de forma a dialogar com a objetividade etnográfica (Almeida, 2003) e com outras áreas do conhecimento, como arqueologia e linguística.