Por meio de uma etnografia e de uma metodologia desenvolvida para esta pesquisa, busco narrar a trajetória de mulheres em situação de refúgio no Rio de Janeiro e a relação que elas estabelecem com a nova cidade de morada. Ruth nasceu em Angola, mas cresceu na República Democrática do Congo (RDC). Tem 37 anos, mora no Brasil desde 2014, é mãe de três filhos e trabalha como cantora e atriz. É no convívio com congolesas numa galeria em Madureira e numa igreja evangélica em Brás de Pina, bairro onde mora na Zona Norte do Rio, que ela se reconecta a suas raízes e se reinventa no novo território.
Mariama é da Gâmbia, tem 34 anos, vive em Del Castilho com a filha e o irmão, desde 2015, e tem na moda africana e na atuação em ONGs como ativista cultural a sua forma de se expressar. As duas se encontram no bloco musical Terremoto Clandestino. Formado por pessoas em situação de refúgio, imigrantes e brasileiros, o bloco surge como um entre-lugar, em que se questiona a condição de estar refugiado no Brasil.
A metodologia de pesquisa proposta contou com fotos, desenhos, objetos, o cozinhar junto e a escrita. Nomeei a metodologia de “Na makanisi na nga: minhas lembranças”. A expressão “na makanisi na nga” está escrita em lingala, uma das línguas oficiais da República Democrática do Congo, e quer dizer “minhas lembranças”. A proposta da metodologia foi criada para compreender como esse corpo de mulheres migrantes negras experienciam a cidade. Quais as memórias, traumas, vivências que esses corpos carregam e como se reinventam nesse novo local de morada.
Como atriz, o primeiro espetáculo de que Ruth participou foi interpretando uma mulher em situação de refúgio em Kondima – sobre travessias. No palco, revivia muitas das dores pelas quais havia passado. Já em Hoje não saio daqui, uma produção da Cia Marginal, Ruth interpretou a rainha Nzinga Mbandi, uma líder política e militar angolana que, ao longo de 40 anos, lutou contra a entrada dos portugueses no continente africano e se tornou símbolo da resistência ao colonialismo e de combate ao comércio de escravizados.
Já Mariama, depois de alguns anos vivendo no Rio de Janeiro, criou uma marca de roupas, a Sabaly. A palavra em mandinka – grupo étnico do Oeste africano -, significa “imortal” e o símbolo é uma árvore baobá. A importância da estética para pessoas negras e de como o uso de roupas africanas é uma forma de contar histórias, resgatar memórias, de se conectar com a ancestralidade. A roupa como ferramenta de luta.
A pesquisa busca refletir sobre o modo como mulheres em condição de refúgio se reinventam a partir do lugar de fronteira e como práticas sociais forjam identidades, territórios, espacialidades. Tenta compreender, como esses corpos-políticos se tornam ferramentas de lutas, esses corpos-ancestrais conectam-se às memórias de onde vieram e para onde vão e esses corpos-criativos a impulsionam a reinventar outros mundos possíveis.