As medidas sanitárias relacionadas ao combate à covid-19, em especial o fechamento de creches e escolas e isolamento no espaço doméstico, impactaram globalmente as experiências de maternagem e cuidado de crianças (Green &O´Reilly, 2021). No Brasil, esses efeitos se tornaram particularmente dramáticos por ter sido um dos países que por mais tempo manteve as creches e escolas fechadas, embora tenha sido, paradoxalmente, um dos que menos adotou o lockdown para controlar a pandemia (2º pais da américa do sul e 4º do mundo – dados da OCDE). O fechamento prolongado de creches e escolas na pandemia intensificou o culturalmente naturalizado processo de familiarização e feminização do cuidado de crianças no país (Lowenkron, 2022), Tendo como pano de fundo o ideal familista e maternalista do cuidado de crianças pequenas no contexto brasileiro, associada a um sistema de reprodução estratificada caracterizado pelo acesso desigual a recursos materiais e sociais para criação de filhos e manutenção das unidades domésticas (Colen, 1995), este artigo analisa comparativamente como foram (re)organizados os “arranjos de cuidado” durante a pandemia de covid-19 e os modos pelos quais mulheres mães de diferentes classes sociais que tinham acesso à creche vivenciaram a experiência de maternagem no período de suspensão das atividades presenciais nas instituições de educação infantil públicas e privadas. A pesquisa junto às mulheres de camadas médias foi realizada durante o primeiro ano de pandemia de covid-19 através de observação participante em um grupo de whatsApp de pais e mães de uma creche privada da zona sul do Rio de Janeiro e complementada por entrevistas com integrantes desse grupo. A pesquisa junto a mães de classes populares foi realizada a partir de uma roda de conversa em uma creche pública em uma favela da zona norte do Rio de Janeiro em março de 2023. Ao investigar as “diferenças que fizeram diferença” (Cho, Crehshaw, & McCall, 2013) na configuração das maternidades pandêmicas, buscamos chamar atenção para a importância de uma perspectiva analítica interseccional (Hill Collins & Bilge, 2020; Akotinere, 2020) na compreensão da relação entre o evento crítico da pandemia e o cuidado cotidiano de crianças nos espaços domésticos.