No Brasil pós ditadura militar (1964-1985), com a Constituição Cidadã (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, os povos originários têm reconhecido seu direito à educação em suas línguas maternas e em seus modos próprios de aprendizagens, isto é, suas epistemologias. Esses direitos são fortalecidos, ainda em 1996, pela Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. Mesmo assim, as cosmopercepções, com os diferentes modos de significar o mundo e de estar no mundo, desses povos não são reconhecidas nem valorizadas frente a hegemonia euro-judaico-cristã, que ancora o sistema educacional brasileiro, herdado ao colonialismo e mantido pela colonialidade. Esses estudantes, com sua diversidade linguística e epistêmica, são forçados a se adaptar às regras hegemônicas de significação e de enunciação do mundo. A política de diversidade que se implementa e se pratica é, portanto, adaptativa, conformada a um modus operandi que faz dela um commodity, transformando-a em marketing das políticas educacionais de Estado, fundadas no racismo linguístico e epistêmico. Diante disso, o objetivo desta proposta é apresentar e discutir possibilidades alter-nativas antirracistas de construções epistemológicas para tensionar as categorias binárias de diferenciação colonial válido/não válido de manutenção do racismo epistêmico. Esta proposta resulta do acompanhamento de trajetórias acadêmicas na graduação e na pós-graduação de estudantes indígenas aos quais historicamente a escola foi negada e para os quais, atualmente, a estrutura epistemológica é um projeto de violência, adoecimento e exclusão. Ao acompanhar a trajetória desses estudantes, foi possível perceber que, no encontro intercultural, na academia, devido ao racismo linguístico e epistêmico da academia, ocorre o conflito epistemológico, em que o conhecimento subalternizado desde a colonização é inferiorizado pelo conhecimento moderno-colonial. As trajetórias desses estudantes mostraram que há a necessidade de compreender seus modos próprios de significação de mundo e de construção de conhecimento para tensionar as normatizações epistemológicas da academia e, assim, propor outros modos de construção de conhecimento na academia. Não se quer, com isso, um método que seja geral a todos os grupos ou pessoas de um grupo. O que se propõe é a valorização das especificidades em detrimento de generalizações. Os resultados nos permitem afirmar que o acompanhamento direcionado a estudantes específicos na universidade, por um lado, evita o fracasso e a exclusão desses estudantes e, por outro lado, amplia o projeto epistêmico da universidade e desestabiliza sua estrutura hegemônica herdada ao colonialismo. A sustentação teórica da discussão que propomos desenvolver são o letramento intercultural para uma educação linguístico-ambiental antirracista (Pimentel da Silva, 2016; 2019; Nascimento, 2021; 2023; Rezende, 2022; 2023) e a tradução intercultural (Lima, 2020; Lima Neto, 2022), visando à sustentabilidade e ao fortalecimento da cidadania linguística dos povos em situação de vulnerabilidade social (Straud, 2023). Esperamos com esta proposta contribuir com a defesa e o fortalecimento das ações afirmativas, a permanência e o êxito acadêmico de estudantes que ingressam na universidade por meio dos sistemas ou programas de reservas de vagas.