Ponencia

Legislar: a regulamentação de Cannabis e derivados para uso terapêutico no Brasil

Parte del Simposio:

SP.63: Ações coletivas, estratégias de regulamentação e demandas pelo acesso legal à maconha na América Latina

Ponentes

Hellen Caetano

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Maconha e Cannabis ora são vistas como a mesma coisa, ora são percebidas como coisas completamente diferentes. O debate sobre os usos dessa planta e de suas substâncias derivadas têm flutuado nos eixos de discussão das áreas de segurança e saúde pública, já que podem ser lidas como “drogas” ou “medicamentos”, a partir de quem e de onde se fala. Nessa pesquisa, foram analisados projetos de lei federais oriundos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal propostos a partir de 2014 que têm o uso terapêutico de Cannabis ou de algum de seus derivados como foco. O trabalho de campo, no qual visamos a construção de uma etnografia de documentos e eventos, se baseou nos próprios projetos, documentos e artefatos produzidos durante a tramitação, além das audiências públicas realizadas por essas instituições. O material foi analisado e sistematizado no programa de análise qualitativa Atlas.ti, o que possibilitou comparar discursos feitos durante as audiências com aquilo que era produzido nos papéis. Nessa apresentação daremos foco aos projetos de lei 514/2017 e 5.295/2019 que foram propostos a partir de Sugestões Legislativas com a participação de cidadãos. O intuito é evidenciar o percurso de uma sugestão, sua proposição, tramitação e transformação em um projeto de lei. Nas audiências públicas, que são eventos destinados a instruir os deputados e senadores para a construção de leis, tivemos apresentações de médicos, pesquisadores e familiares de pacientes, que são chamados a falar como especialistas no tema. Apesar disso, as participações têm diferentes pesos, além de ênfases, em momentos distintos, que o que está sendo debatido é o uso terapêutico, que é diferente do uso social/recreativo. Há também um uso social e político da Ciência e dos produtos científicos com o objetivo de trazer confiabilidade aquilo que é dito. Existe, em meio as audiências, uma distinção do que seria considerada uma contribuição de caráter científico daquilo que é visto como experiência. Ou seja, por mais que todos chamados a falar sejam considerados especialistas no tema, existem distinções entre aqueles que trariam dados científicos, sobretudo médicos e pesquisadores, daqueles que trazem sua experiência de vida com/sobre o uso terapêutico, que é o caso dos familiares e pacientes. As formulações dos projetos de lei que têm a maconha e o uso terapêutico como foco são permeadas de moralidades distintas, além de tensões e disputas sobre quem pode e deve legislar e delimitar os processos de regulamentação das substâncias no Brasil. Mais do que isso, a discussão, que já leva anos, continua a mostrar como o tempo das instituições é totalmente distinto da vida dos pacientes, que precisam que suas ações sejam regulamentadas o quanto antes.