A apresentação propõe abordar os processos de apagamentos e violências contra os indígenas em dois momentos críticos da formação do Estado nacional brasileiro, em dois contextos distintos, na Amazônia e no Sul do país. Na Amazônia, o foco será especificamente sobre a região do baixo rio Tapajós, logo após a independência do país, no contexto do movimento separatista que ocorreu nos anos de 1835-38, denominado Cabanagem, o qual configurou um violento campo de batalhas que assolou a população nativa, nos confrontos ou na repressão subsequente. A partir de então, os registros sobre os povos indígenas da região foram sucessivamente silenciando sobre a sua existência, até considerá-los como extintos. Na região Sul, o foco será sobre o contexto da proclamação da República, no final do século XIX, que leva em seu encalço a abolição da escravatura e os projetos de migração europeia para promover a ocupação dos territórios indígenas e o branqueamento da população. O avanço destas frentes migratórias sobre os territórios indígenas também significou empreendimentos de guerras de extermínio contra estes povos, especialmente contra os Laklãnõ-Xokleng, executadas pelos chamados “bugreiros”, milícias contratadas por empresários e governo do estado de Santa Catarina. Os sobreviventes desses massacres, depois submetidos ao processo de “pacificação”, pela então agência indigenista (SPI), criada em 1910, encontravam-se na década de 1960 em condições precárias de existência, com seus territórios invadidos, vivendo de explorados trabalhos subalternos, e sobre quem equivocadamente afirmava-se sua extinção enquanto povo etnicamente diferenciado, inclusive pela própria Antropologia. Não obstante os processos de violência e apagamentos empreendidos contra os povos indígenas que ocorreram em ambas as situações históricas, pós independência e República, os indígenas começaram a empreender –‒tanto no Sul, nas décadas de 1970-80, quanto na Amazônia, na virada para o século XXI –‒ intensos processos de reafirmação de seus pertencimentos a étnicos, de reconstrução das antigas tradições culturais, de reelaboração de formas próprias de organização sociopolítica, retomando e demandando a demarcação de seus territórios. Contestando as narrativas oficiais e historiográficas que afirmavam o seu desaparecimento, os indígenas em ambos contextos, Amazônia e Brasil meridional, aportaram no último quartel do século XX mobilizando-se contra a narrativa do apagamento, da extinção, passando a reafirmar sua existência enquanto povos originários etnicamente distintos e fazendo valer suas demandas por reconhecimento nas negociações do poder. Neste sentido, a apresentação visa pensar as formas oficiais de violências e apagamentos sofridos pelos povos indígenas na formação do Estado nacional brasileiro em ambas situações etnográficas, assim como, também as contrarreações indígenas, buscando entender seus modos e estratégias a se contrapor às narrativas que os excluíram dos processos de construção da nação e a estabelecer um novo regime de memória que evidencie sua presença e participação nela.