Ponencia

Imitação e criação, ou natureza e cultura: Acerca dos embaralhamentos possíveis da dicotomia em experimentos com primatas não-humanos

Parte del Simposio:

SP.33: Antropología de la técnica: conocimiento, poder y desigualdad en el saber hacer con materiales, máquinas y organismos

Ponentes

Mateus Oka

Universidad Estatal de Campinas (Unicamp)

Nesta comunicação será apresentada uma pesquisa bibliográfica-exploratória combinada com um trabalho de campo feito com primatólogos, tendo como objetivo problematizar a dicotomia entre imitação e criação em estudos com primatas não-humanos. Em 1889, George Romanes, aluno de Charles Darwin, considerava a imitação uma inteligência de segunda ordem: não se tratando de uma completa falta de intelecto, pois estaria presente em crianças, em “doentes mentais”, em “selvagens”, e nos macacos, ela seria, todavia, secundária e de nível rebaixado em relação à razão e à capacidade de criação que caracterizam o Homem desenvolvido.
Entretanto, a partir de 1990 começam a ser publicados artigos de revisão que, reunindo experimentos psicológicos feitos com primatas, procuravam responder se estes são realmente capazes de imitar, ou não. As conclusões desses estudos apontaram, em geral, pela resposta negativa: primatas não-humanos não são capazes de imitar, uma vez que eles tendem a não reproduzir cegamente as ações de um outro indivíduo. Isto é, ao invés de imitar o outro, cada animal, a seu modo, aprendia novos comportamentos a partir de sua exploração individual do ambiente – em suma, uma criação constante de ações no mundo, ao invés de reprodução e transmissão social. Assim, alguns autores formulam que os primatas aprendem com os outros, e não a partir dos outros – e essa seria uma operação muito mais simples, em termos cognitivos, do que supor que estes animais possuem a capacidade de interpretar as intenções do outro e de reproduzir fielmente os seus meios para atingir os seus fins. Esta tese lembra bem a noção de técnica em Marcel Mauss, que propõe que humanos devem ser os únicos que transmitem suas práticas corporais para os demais de sua espécie.
Contudo, a conclusão de que os macacos aprendem com, e não dos outros, ressoa nas discussões antropológicas contemporâneas sobre a transmissão de saberes e práticas, como a noção de uma educação da atenção, em Tim Ingold. Menos que decidir se primatas são ou não capazes de imitar, os experimentos feitos com tais animais talvez possam permitir a visualização de outras relações possíveis de saber-fazer com o mundo, como indicam conversas feitas com cientistas da área. Na tradição ocidental, os primatas, bem como as crianças, representam um meio-caminho entre a natureza e a cultura, proto-humanos, ou ainda, cópias imperfeitas de um humano adulto. Similarmente, a imitação constitui também um nó natural-cultural, ora pensada como uma inteligência de segunda ordem, ora uma exclusividade humana, sendo o fundamento ancestral para o desenvolvimento da cultura ou da linguagem. Longe de apaziguar as controvérsias que cercam esta questão, esta comunicação busca refletir sobre os movimentos possíveis da dualidade entre imitação e criação, natureza e cultura, sem perder de vista as relações de poder e conhecimento que elas implicam.