Desde de seu surgimento nos anos de 1895, o cinema está vinculado à experiência urbana. Essa relação se expressa de formas que vão desde o caminhar nas ruas dos centros das cidades, vislumbrando o que eram os cinemas de rua, até a experiência subjetiva da vida em metrópoles (Singer, 2004). Os cineclubes intensificam esse enlaçamento na medida em que elegem a cidade como o espaço para sociabilidade e trocas acerca das obras. Partindo do filme, a prática cineclubista extrapola as telas e interpela os públicos a ocuparem centros culturais, universidades, escolas e ruas. Contudo, a partir do cenário da pandemia do novo Coronavírus em 2020, uma situação inédita se apresenta. Nesse contexto, os governos, as organizações e as instituições deliberam pela paralisação das atividades presenciais, dificultando o habitar a cidade tal como se conhecia. Essas medidas implicaram na necessidade de adaptação, com mudanças nas práticas até então face a face. Para os cineclubes e seus públicos não foi diferente. Foi necessária a invenção de novas formas de encontro a partir do filme, isto é, uma improvisação cultural (Ingold; Hallam, 2018) que se deu com base nesta situação de isolamento social. Nesse cenário, uma questão é suscitada: como ocorre a transição da experiência dos públicos cineclubistas do presencial para a internet? Em especial, as interações dos públicos de cineclubes universitários no Rio de Janeiro e em Niterói, recorte escolhido para a pesquisa. Para abarcar essa problemática, constrói-se uma reflexão acerca do significado dado pelos atores sociais participantes sobre o que é estar nos cineclubes através da internet, incitada por questionar a relação entre local e global nestas relações. Com o tema da investigação sendo um estudo sobre os públicos e a situação de ascensão do modelo online imposta para a pesquisa de campo, foi preciso elaborar estratégias que se adequassem a essa configuração. Assim, a escolha metodológica foi a de trabalhar com duas técnicas, a da entrevista e a observação participante. Nas observações, foi considerado um olhar etnográfico no ambiente digital. Considera-se que uma etnografia digital abarca uma multiplicidade de usos da internet que se constroem de formas dinâmicas, o que implica um fluxo entre diferentes plataformas (Hine, 2015). Logo, a estratégia escolhida foi de um acompanhamento dos públicos em distintas redes sociais em que ocorriam as sessões (Leitão; Gomes, 2017). Ao analisar a organização dos cineclubes, quem participava e de quais lugares proviam, observou-se uma continuidade das relações locais. Nesse sentido, ao invés de abrir os cineclubes para uma sociabilidade global, as sessões se tornaram espaços para a manutenção de vínculos com a universidade e com as cidades onde estavam sediados os cineclubes. Observando comentários nas transmissões ao vivo, foi atribuída à experiência um sentido de nostalgia e uma rememoração (Benjamin, 2014) do espaço da cidade ao vê-la nos filmes. Conclui-se que, naquele momento, o ato de habitar a cidade envolveu estar em casa, experienciando de outras formas a convivência urbana proporcionada pelo filme e por um estar junto digital, através do cineclube.