O cenário da violência urbana no Rio de Janeiro vem se modificando nos últimos vinte anos a partir das disputas pelo controle territorial armado de favelas e periferias. Para além da atuação de grupos relacionados com a comercialização de drogas ilícitas, denominados como facções (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Terceiro Comando Puro) em suas disputas internas nas “invasões entre as facções rivais” e das “operações policiais” que envolve conflitos armados, mais recentemente, temos observado disputas pelo controle de territórios também entre as diferentes organizações que se popularizam na cidade do Rio de Janeiro pelo nome de milícia.
De acordo com o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro produzido por pesquisadores dos grupos GENI/UFF e Instituto Fogo Cruzado (2022) que abarcou o período de 2006 a 2021, dentre os territórios identificados como “dominados por grupos armados”, 50% deles estaria ocupado pelos grupos de milícias, enquanto as facções dividiriam entre si a outra fatia das áreas controladas. Ao analisar com mais atenção o mapa, podemos perceber que a expansão territorial e populacional das milícias se deu no início dos anos 2000 e que a atuação dos milicianos na capital se dá hegemonicamente na região da Zona Oeste. Em termos administrativos, a cidade do Rio de Janeiro é dividida em cinco Áreas de Planejamento (APs). Nessa divisão territorial, onde as fronteiras não são tão fixas, os bairros localizados nas APs 4 e 5 integrantes das regiões administrativas de Jacarepaguá, Cidade de Deus, Barra da Tijuca, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba, Realengo e Bangu são reconhecidos como Zona Oeste. A área de ocupação desses bairros corresponde a 70% do território da capital e abrange 2,6 milhões de habitantes. É nessa região da cidade que o fenômeno das milícias nasceu e ganhou visibilidade.
A generalização do uso do termo milícia para caracterizar grupos armados com domínio de território que se diferenciavam dos grupos de traficantes por um maior controle das rotinas e moralidades de moradores e pela cobrança de taxas por serviços prestados como a segurança de comerciantes, fornecimento de internet e tv a cabo clandestina, dentre outras práticas de extorsão, ocorreu no início dos anos 2000. A partir de 2005 manchetes de jornais de grande circulação passaram a destacar tanto a expulsão de grupos ligados às facções do tráfico de drogas por grupos de milicianos, especialmente na região de Jacarepaguá, como também a apontar pagamento de taxas e algumas disputas entre os diferentes grupos que então estavam se formando.
O paper aqui apresentado é resultado de uma pesquisa etnográfica em bairros com domínio territorial da milícia e do tráfico. O objetivo foi o de analisar as complexas dinâmicas que envolvem os conflitos assim como compreender quais os efeitos dessas disputas no cotidiano dos moradores desses bairros. Nos territórios identificados como “em disputa”, a categoria “guerra” é constantemente acionada tanto pelos moradores quanto pelos meios de comunicação de massa para explicar os conflitos e justificar as mudanças nas rotinas dos moradores, alteradas e posta em risco de forma constante.