Juntas vicinais são organizações territoriais, localizadas, que visam fundamentalmente o enfrentamento de problemas comuns vividos por moradores de vilas e bairros populares, os vizinhos. Não raras vezes servem como instrumentos de clientelização de elites políticas locais, mas também podem se converter em espaços de construção de um paradigma político desde abajo, isto é, formas de fazer política forjadas através de tradições e perspectivas próprias de grupos subalternos com base em seus territórios. Na cidade de El Alto, Bolívia, as juntas de vizinhos consistem em referências organizativas prioritárias para a população. Neste trabalho pomos em evidência a construção de formas emergentes de relações de autoridade com base território a partir da dinâmica das juntas de vizinhos altenhas no período do chamado “ciclo rebelde” (ocorrido entre os anos 2000 e 2005). Aspecto importante a ser considerado nos processos políticos altenhos são ondas migratórias que marcam o desenvolvimento da cidade de El Alto; é a presença, na cidade, de recursos socioculturais, organizativos e de mobilização do componente migratório indígena campesino, especialmente de origem aimará, e do componente migratório constituído por ex-mineiros, trazidos à cidade e desdobrados nas estratégias de sobrevivência e inserção desses grupos migrantes no espaço urbano altenho, favoreceram trajetórias particulares de bairro/vilas, de suas juntas vicinais e de outras estruturas de organização e mobilização. No curso do “ciclo rebelde”, e sob influência das tradições organizativas dos componentes migratórios, a distância entre dirigentes e vizinhos de base foi completamente diluída, qualquer prerrogativa decisória distinta conferida pela hierarquia foi anulada. Qualquer ato de verticalismo dirigente foi energeticamente combatido. A participação ampliada dos vizinhos nos processos decisórios foi requerida, assegurada e incentivada. Os fluxos de informação foram também intensificados internamente. Em suma: a realização da autoridade vicinal comportou um envolvimento intenso e ampliado da comunidade dos vizinhos em movimento. É nesse sentido que se evidencia uma radical disposição em assegurar a autonomia vicinal e um comprometimento mútuo intensamente experimentado na vida comunitária. Algo que, no período pós-ciclo rebelde, quando se organiza institucionalmente o governo Evo Morales e se reatualizam os desafios da autonomia, se combinou uma memória sempre viva do que representou a chamada “guerra do gás” ou “octubre negro”, alimentando uma narrativa rebelde que deslocou o lugar de El Alto de “cidade problema” para “cidade revolucionária”, protetora dos recursos naturais da nação, orgulhosa de si.