É em uma das salas do primeiro andar do prédio de uma escola pública da periferia do Distrito Federal, que Davi, 17 anos, estudante do primeiro ano do ensino médio, me perguntou: “qual creme você usa para finalizar o cabelo?”. Sua curiosidade despertou em mim uma série de sentimentos conflitantes em relação ao meu retorno a essa escola, dado minhas vivências atravessadas pelo racismo enquanto aluna da mesma instituição de ensino entre 2010 e 2015, como estagiária de uma disciplina de prática docente. Em contraste com o cabelo alisado ou o coque preso no topo da cabeça de quase todas as meninas negras e o cabelo raspado da maioria dos meninos negros de minha época, observo como parte significativa dos/das estudantes negros/negras presentes na sala usam seus cabelos: dedolis, corte americano, waves, box braid e black power.
Nilma Lino Gomes (2003) afirma que as mudanças da percepção sobre o negro no espaço escolar não é mérito da escola em si exclusivamente, ao ressaltar o papel dos movimentos negros unificados para inserção positiva do corpo negro nos espaços e especialmente na mídia. A autora coloca também que a mudança é lenta e tensa, diante da permanência do racismo e da discriminação racial (GONZALEZ, 2020), destacando o corpo enquanto suporte da construção da identidade negra, corpo que é construído de forma coletiva, nos espaços familiares, nos círculos de amizade, nos salões afros, nos relacionamentos amorosos, no movimento organizado e também no ambiente escolar. Ou seja, o processo de formação da identidade negra é construído de forma gradativa e acompanhada de um desafio: construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que historicamente ensina aos corpos negros que a aceitação acompanha a negação de si (SOUZA, 2021).
Por isso, o objetivo do presente ensaio é dissertar sobre alguns aspectos que tocam na desconstrução de estereótipos raciais e construção da autoestima de jovens negros a partir da lida de seus cabelos em espaços de barbearias localizadas nas periféricas do Distrito Federal.